Fazer teatro é diferente de montar uma peça. Fazer teatro pressupõe vitalidade, energia. Montar uma peça aproxima-se mais do ato de procurar, a todo preço, o afago fácil à platéia. O que falta a Coração Bazar, monólogo que coloca Regina Duarte no palco do Sesc Santo André, é a centelha no graveto que queima canaviais, como diz a letra da canção de Edu Lobo e Chico Buarque.

Comedido, o diretor José Possi Neto evita grandes arroubos ilusionistas, concentrando esforços em Regina. A atriz, porém, pouco avança no território da verticalização da interpretação – algo comum na TV, processo industrial –, fazendo com que personagens deixem de expressar o sangue que deveriam ter. Não se faz teatro somente com a epiderme, sem as vísceras.

Dessa forma, o punhado de personagens do monólogo extraído da coletânea poética preparada por Regina e Possi – trabalho de anos, de acordo com o diretor – surge com poucas cores. Regina evita a armadilha da declamação, mas não a do óbvio, do convencional.

Ainda que atriz e diretor tenham escolhido poetas e escritores consagrados, vez por outra Coração Bazar resvala no sentimentalismo pela maneira como os autores são levados ao tablado. Um dos poemas inseridos no espetáculo é Traduzir-se, de Ferreira Gullar (“Uma parte de mim/é todo mundo/outra parte é ninguém/fundo sem fundo”). A dualidade do ser humano expressa pelo autor, porém, empalidece no monólogo.

Concebida para criar uma relação íntima com o público, a montagem apresenta uma contradição: o uso de microfone. A amplificação da voz, ainda mais num teatro pequeno como o do Sesc Santo André, derruba o clima intimista, de diálogo, que se pretendia instaurar.

Coração Bazar, assim, conversa com a idéia de teatro de estrelas, modelo que vê sua finalidade na assimilação fácil de sentimentos, quaisquer que sejam. E se distancia do conceito de teatro vivo, que se recusa a concessões que desemboquem na comoção simplória.

Coração Bazar – Monólogo. Textos de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Ferreira Gullar, Millôr Fernandes, Paulo Leminski, Regina Duarte. Dramaturgia de José Possi Neto e Regina Duarte. Direção de José Possi Neto. Com Regina Duarte. Sábados, às 21h, e domingos, às 20h. No Sesc Santo André – r. Tamarutaca, 302, Santo André. Tel.: 4469-1250. Ingr.: R$ 7 a R$ 14. Até 15 de fevereiro.