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Ator expõe intimidade em relato biográfico
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
02/04/2006 | 09:46
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Quem hoje vê pôsteres dos filmes que David Cardoso protagonizou no cume da pornochanchada, entre meados dos anos 70 e início dos 80, poderá julgá-los algum anúncio de catuaba ou drinque congênere, desses que decoram parede de bar. Tudo por causa das sungas com estampas zoológicas e mulheres a aquecer-lhe as canelas. Que o ator não ouça tal suspeita pois, fisiculturista de carteirinha e brioso ao afirmar que o ponteiro de sua balança aponta a mesma massa corporal há 40 anos, gaba-se de nunca ter participado de propaganda de cigarro ou bebida alcoólica em sua carreira. Revelações de tal natureza que o ex-galã conta em David Cardoso – Autobiografia do Rei da Pornochanchada (Letra Livre, 440 págs., R$ 39 em média), escrito sob a supervisão de Henrique Alberto de Medeiros Filho.

É o segundo relato biográfico lançado em menos de dois anos de David. Em 2004, saiu David Cardoso – Persistência e Paixão, de Alfredo Sternheim, pela coleção Aplauso, a série de livros de bolso editados pela Imprensa Oficial.

O livro ora lançado extrapola seu antecessor não só em tamanho, mas no conteúdo, se analisado do ponto de vista da intimidade. David parece mais à vontade em autobiografia para relatar passagens de sua vida, com narração em primeira pessoa. A despeito de algumas divagações sobre o esporte como formol do astral e outras preocupações filosóficas, que deixam a narrativa tão fluida quanto chiclé gasto, é obra relativamente importante para compreender os bastidores da pornochanchada, de sua arrancada à derrocada.

Aos 64 anos, mato-grossense celebrizado no audiovisual por pseudônimos ultrasugestivos como Armando Pinto e no ramo editorial por posar nu, sessentão, para a G Magazine, Cardoso começou no cinema pelas mãos de Mazzaropi. Sua primeira participação no cinema, em O Lamparina (1963), o pai não viu: um espirro o fez perder a tomada inaugural da carreira do filho, que durava três segundos.

Insinua tendências homossexuais de Mazza – com quem trabalharia ainda em Meu Japão Brasileiro (1964) – embora não muito ostensivas. Apenas "algumas carícias" e convites para viagens a dois, aos "Estados Unidos, Beirute, Curitiba...".

David surgiu como resposta do cinema paulistano aos cafajestes priápicos dos filmes cariocas nos anos 60, sobretudo Jece Valadão e Reginaldo Faria. Daí para a pornochanchada foi um pulo. O tipo de David condizia com o arquétipo de homem brasileiro que o cinema de então precisava, submetido à ditadura. Era o próprio signo do reprodutor incansável, destruidor de opressões sexuais (paralelas às políticas) de então, apelo imediato entre o mulherio e, entre a platéia masculina, projeção do machismo poligâmico.

David narra seus primeiros contatos com a Boca do Lixo; sua intervenção para a estréia no cinema de Vera Fischer, resolvida com a resposta afirmativa (dela) à pergunta "Você fica pelada?"; os conselhos de Fernanda Montenegro para ele não almejar ser Walmor Chagas quando seus atributos apontavam para títulos como Os Maridos Traem... e as Mulheres Subtraem!; sua experiência como diretor de 15 filmes, iniciada em 1977 com 19 Mulheres e um Homem, cujo elenco era na verdade formado por ele e 18 mulheres (a 19ª apareceu graças a uma trucagem). Não só autobiografia; o livro David Cardoso serve como transcrição, passional e pessoal, de um momento ainda não completamente compreendido do cinema nacional.

Trechos

Quando terminei a novela da Globo O Homem Proibido, em 1982, Fauzi (Arap) me convidou para ser o índio Peri, de O Guarani, que seria rodado num lugarejo do estado do Rio de Janeiro, Sumidouro. Nunca vi um nome mais acertado. Lá, seria construída a casa-sede e a aldeia dos índios e aconteceria a enchente. O elenco, numeroso, ficaria na cidade em residências particulares, casas alugadas e hotéis. Optei por um sítio simples, afastado do centro, sem ninguém do lado. Acordaria de madrugada para o guaraná e o chimarrão e, levando alguns pesos, teria mais espaço para treinar e mais facilidade para transar caso pintasse alguma coisa interessante, como pintou. Fazendo o personagem Peri, forçosamente tinha que me depilar diariamente e colocar uma lente de contato preta, que não era macia; hoje a tecnologia é melhor. Peruca preta e longa e maquiagem escura por todo o corpo. Era um papel fácil de cair no ridículo. Mas isso não aconteceu. Fauzi sabia das coisas e levei muito a sério a composição do personagem. O filme ficou muito longo, se eu fosse o diretor, teria tirado uns 25 minutos. Mas, como diz o ditado, ‘cada cabeça uma sentença’.

(páginas 120 e 121).

O filme era luxuoso e ao mesmo tempo sacana. Foi um dos mais divertidos que realizei em todos os aspectos. Nenhum grande problema, as moças mostraram-se superprofissionais, equipe coesa, filmando no tempo previsto. Por muitos anos foi lembrado por onde passasse. Diferente era quando por algumas vezes levava as seis belíssimas beldades do elenco para sair. Paravam o trânsito. O que ouvia de xingamentos e gozações não estava escrito em lugar nenhum. Fora alguns encontros ótimos. Foi tão bom que, durante muito tempo, estive com a idéia fixa de realizar uma continuação, dessa vez com As Doze Mulheres de Adão. A revista Ilusão publicou uma matéria de página dupla sobre o filme em que dizia que ‘A julgar pela chamada publicitária o filme do século... ou do sexo... os aficcionados do gênero pornochanchada terão muito com o que se deliciar’, fazendo alusão ao seu lançamento em vinte cinemas de São Paulo. Quando questionado sobre a veracidade das cenas mais picantes, eu me defendia nas revistas dizendo que toda aquela trepação que aparece é pura encenação; no filme eu apareço de pau duro, mas é de borracha!

(página 123, em que detalha bastidores da produção do filme As Seis Mulheres de Adão).




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