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Zé Ramalho estréia o show 'Naçao Nordestina'
Do Diário do Grande ABC
01/06/2000 | 18:48
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Zé Ramalho imaginou um cenário neoliverpooliano onde, no lugar dos célebres sócios do Clube do Sargento Pimenta, estariam os mais destacados artistas da música nordestina de diversas épocas: Gonzagao, Jackson do Pandeiro, Bráulio Tavares, Joao do Vale, Dominguinhos, Cascabulho, Edgard Ferreira, Petrúcio Amorim, Robertinho do Recife, Fagner, Pepeu Gomes, Vital Farias.

O resultado de mais esse delírio do profeta da caatinga é o disco duplo "Naçao Nordestina" (lançado há um mês pela BMG), que agora virou show. E que estréia nesta sexta-feira, no Tom Brasil. O repertório do show abarca aquela ambiçao de Ramalho, a de inventariar a saga recente da música nordestina. "Principalmente as músicas de conteúdo social e político", alerta. Mas o show também nao descuida do patrimônio de sucessos do cantor, violonista e compositor: ele promete cantar "Vila do Sossego", "Admirável Gado Novo", "Avôhai" e todos seus hits.

"Sou um fusionista, o que faço sao fusoes", explica José Ramalho Neto, 51 anos, paraibano de Brejo do Cruz, astro da música popular que começou na carreira há cerca de 25 anos - no início dos anos 70, tocava guitarra pelo sertao nordestino imitando George Harrison, num conjunto chamado Os Quatro Loucos.

"Nunca deixarei de buscar a alegria de um guitarrista de baile, mas também nunca deixo de soar o nordeste em minhas músicas", diz Ramalho. Ele canta acompanhado de Chico Guedes (contrabaixo e vocais), Gustavo Schroter (bateria), Zé Gomes (percussao e ritmos nordestinos), Dodô Morais (teclado e sanfona) e Toti Cavalcanti (saxofone e flautas).

A história do novo disco e show de Zé Ramalho é insólita. Ele conta que tropeçou - literalmente - por acaso, há três anos, numa fita cassete em Feira de Santana. Pegou o objeto do chao e viu que eram gravaçoes de Flávio José, músico de forró da Paraíba. Uma das faixas era "O Meu País", um repente engajado de Livardo Alves, Orlando Tejo e Gilvan Chaves.

Parece mesmo um caso de cruel coincidência. "Um país que seus índios discrimina/ E as ciências e as artes nao respeita/ Um país que ainda morre de maleita/ Por atraso geral da medicina/ Um país onde a escola nao ensina/ E hospital nao dispoe de raios X/ Onde a gente dos morros é feliz/ Se tem água da chuva e luz do sol/ Pode ser o país do futebol/ Mas nao é, com certeza, o meu país", diz a letra.

"Naquele instante, eu me reportei à minha letra de "Admirável Gado Novo", que também se tornou um hino de protesto e, a sua maneira, era uma seqüência de "Disparada", do Geraldo Vandré", conta Ramalho. "Foi aí que eu tive claro na cabeça a motivaçao de meu novo trabalho". Vandré virou uma referência. Ele voltou a ter contato com o compositor e chegou a conversar com ele sobre uma possível parceria num disco conjunto.

Vandré mostrou-lhe cinco novas músicas que Ramalho considera "geniais". E Zé Ramalho resolveu gravar a cançao de Vandré que virou hino da esquerda setentista, "Pra Nao Dizer Que Nao Falei das Flores". "Ele realmente tem hoje um jeito de se preservar, mas é possível romper a casca da loucura e chegar até o verdadeiro Vandré", diz Zé.

O protesto temporao de Zé Ramalho, oportuno e bem urdido, é um protesto nordestino, de repentista de feira. Mas que tem também uma preocupaçao histórica. Por exemplo: "Ele Disse" (de Edgar Ferreira) embalou cantos de insatisfaçao com o governo de Getúlio Vargas.

Pregador - "O nordeste é que me dá régua e compasso", considera. "A cultura nordestina me alimenta e o resto é um trabalho de alquimia." Ele define como marco inicial de sua carreira ("O que aconteceu antes nao teve importância") o lançamento de "Zé Ramalho" (CBS, 1977), disco no qual gravou sua cançao-chave, "Avôhai". Zé Ramalho, Fagner, Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo representam uma segunda grande onda da música nordestina (depois de Gonzagao, Jackson do Pandeiro e Canhoto da Paraíba).

A peculiaridade de Zé Ramalho é que ele canta próximo dos violeiros, carrega a dramaticidade de um pregador sertanejo, mas também tem um pé no rock. Tanto que, mesmo envolto numa cruzada de protesto, encaixou no roteiro uma cítara - na cançao "Bandeira Desfraldada" -, com a qual homenageia George Harrison e a fase Maharishi dos Beatles. Robertinho do Recife toca a cítara.

Sua pesquisa nordestina, nesse show, vai do que chama de "sertao estorricado" ao novo sertao irrigado de Petrolina, em Pernambuco. Sai do Maranhao (Joao do Vale) ao Norte da Bahia (Gil), passando pelo Ceará (Fagner) e Paraíba (Flávio José).




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