Reflexos da crise são acentuados e consumidor deve sentir no bolso quando for ao mercado
A segunda onda do novo coronavírus, que volta a assombrar países da Europa, deixou ontem o mercado financeiro com os nervos à ‘flor da pele’. O temor da prorrogação da duração da pandemia e da instabilidade que ela traz à economia mundial derrubou bolsas de valores mundo afora e, inclusive, no Brasil. O Ibovespa, principal índice da B3, sofreu tombo de 4,25%, aos 95.368,76 pontos. Foi o segundo pior resultado desde que a Covid-19 aportou no País; em 24 de abril, a queda havia sido de 5,45%.
Neste cenário, o dólar usado para exportação disparou e foi a R$ 5,76, o maior valor desde 15 de maio. E, o turismo, a R$ 5,90, mas em casas de câmbio chegou a ser vendido a R$ 6,08.
De acordo com especialistas, isso tudo se reflete no prato do brasileiro, pois os preços dos alimentos devem subir, uma vez que produtos como arroz e soja (usada para alimentar o gado, o que impacta no custo da carne e do leite) são commodities e têm seus valores cotados em dólar e, com isso, além de serem valorizados pela alta da moeda norte-americana, são disponibilizados em menor quantidade aos supermercados para privilegiar a venda a outros países. A demanda por itens de primeira necessidade, no entanto, só cresce, diante do isolamento físico e da adoção de home office pelas empresas. O resultado é um só: aumento dos custos nas prateleiras.
“Ao que tudo indica, os preços deverão continuar subindo, pois os produtores tendem a tirar do mercado interno e levar ao Exterior. Isso num momento em que o IPCA-15 (prévia da inflação) já indicou recorde para outubro, de quase 1%, puxado pelos valores dos alimentos, e que boa parte da população destina sua renda quase que exclusivamente ao supermercado. Mesmo com a redução do valor do benefício emergencial (de R$ 600 para R$ 300), a demanda segue aquecida”, explica Samuel Durso, economista da Fipecafi. “E não adianta nem liberar para importação porque o preço não está alto somente aqui, mas lá fora também”, complementa o economista Ricardo Balistiero, coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia.
Sendo assim, o custo da cesta básica no Grande ABC, que neste mês rompeu pela primeira vez na história o patamar de R$ 800, segue quebrando recordes negativos e reduzindo o poder de compra do consumidor. Considerando o valor atual do salário mínimo, de R$ 1.045, hoje 76,6% do montante ficam no mercado.
O reflexo da alta do dólar também é sentido em produtos importados e em bens de capital que são fabricados no País, mas que usam componentes vindos de fora, por exemplo, automóveis e eletroeletrônicos. O custo do minério, essencial em diversas cadeias produtivas, também sobe e, com isso, o valor do preço do produto final.
EFEITO DOMINÓ
Com o aumento de novos casos de Covid-19 em países europeus que pensavam já ter vencido a batalha, como a França, que ontem decretou o segundo lockdown (quando só estabelecimentos essenciais podem abrir), cresce o receio de que no Brasil aconteça o mesmo. E de que a produção, que já está escassa, encolha ainda mais e empurre a um prazo indeterminado a expectativa de retomada de investimentos e geração de emprego.
A ampliação das incertezas leva investidores a tirarem dinheiro das bolsas, vendendo ações, o que faz com que elas caiam e o valor de mercado das empresas diminua. Esse dinheiro das ações vai para ativos mais seguros e rentáveis, como o próprio dólar e o ouro, e para países que têm economias mais fortes e maiores chances de se recuperar da Covid, caso dos Estados Unidos. Com a saída de investidores do Brasil existe maior evasão de dólares e, portanto, a cotação da moeda encarece mais.
“Neste ano, só no mercado secundário (quando os operadores podem comprar ou vender ações entre eles, e não diretamente das empresas), a saída de capitais tem sido bastante forte, de valores próximos a R$ 90 bilhões, o dobro de 2019. É muita coisa”, pontua Balistiero.
Taxa básica de juros continua em 2% ao ano, menor patamar histórico
O Banco Central decidiu ontem manter a Selic, a taxa básica de juros, aos 2% ao ano, menor patamar desde o início da série histórica, em 1996. Na atual conjuntura, em que as incertezas amplificadas pela segunda onda da Covid-19 tendem a pressionar os preços devido à alta do dólar, a opção foi pela manutenção, mas com chances de efetuar novo corte conforme a inflação se comportar até o fim do ano.
“O Banco Central se viu em uma situação muito complicada, pois se reduzisse a Selic, a inflação poderia se descontrolar. E, ao mesmo tempo, se aumentasse a Selic, a inflação poderia ser freada e, a economia, desestimulada, já que os juros baixos são essenciais para a oferta de crédito mais barato para impulsionar investimentos”, explica Samuel Durso, economista da Fipecafi.
Segundo ele, será feito monitoramento contínuo até dezembro, quando ocorrerá a última reunião do ano para avaliar a Selic. “A inflação vai subir até lá, mas acredito que em níveis controlados, não devendo passar da meta de 4% ao ano”, avalia.
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