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Mortes causadas por policiais crescem 466% no Grande ABC

Foram 17 casos com vítimas fatais envolvendo agentes das polícias Civil e Militar desde o início da quarentena; em 2019, aconteceram apenas três

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
27/06/2020 | 23:52
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EBC


A letalidade policial disparou durante a pandemia de Covid-19 no Grande ABC. Dados da SSP (Secretaria da Segurança Pública) do Estado de São Paulo tabulados pelo Diário mostram que, entre os dias 23 de março (início da quarentena) e 30 de maio, foram registradas 17 mortes em decorrência de confronto com a polícia. No mesmo período do ano passado foram apenas três, aumento de 466%. Os dados incluem as ocorrências com policiais civis e militares.

Chama a atenção o fato de que nove destes óbitos foram causados por policiais que não estavam em serviço. No ano passado, houve apenas um caso desta natureza. Os boletins de ocorrência disponíveis no SSP Transparência não especificam em que circunstâncias se deram as mortes; se os policiais fora de serviço foram vítimas de tentativa de assalto, ou se mataram as vítimas no exercício de outra atividade.

No dia 14 de junho, o adolescente Guilherme Silva Guedes, 14 anos, desapareceu de frente da casa da avó, com quem morava, no bairro Americanópolis, Zona Sul de São Paulo. Seu corpo foi encontrado horas depois em Diadema, com dois tiros na cabeça e diversas marcas de agressão. O sargento do Baep (Batalhão de Ações Especiais) de São Bernardo, Adriano Fernandes de Campos, é apontado pela Polícia Civil como suspeito do crime. Ele atuava como segurança e estava fora de serviço quando teria cometido o assassinato.

Em novembro de 2019, o adolescente Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14, desapareceu da Favela do Amor, em Santo André, onde morava, em meio a abordagem policial. Seu corpo foi localizado em represa no Parque do Pedroso, bairro Parque Miami, e reconhecido por meio de exame de DNA em 27 do mesmo mês. O laudo apontou morte por asfixia mecânica e não havia marcas de traumas ou lesões externas. Até hoje, não se sabe quem matou Lucas.

Os casos citados não fazem parte das estatísticas desta reportagem, mas ilustram a violência que cerca a atuação das polícias no Estado de São Paulo, especialmente nas periferias.

Matéria publicada pelo Diário em abril de 2019 mostrou que 89% das vítimas fatais da polícia são homens, jovens, pretos e pardos, e 80% deles morreram na periferia.
O coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques destaca que, mesmo com a maior parte dos crimes contra o patrimônio estarem registrando queda no Estado, os homicídios em geral e, particularmente, a letalidade policial, está aumentando. “Um argumento recorrente é que estes policiais eram vítimas de assalto. Em um contexto de redução dos roubos, esta tese que já era suspeita tem menos força ainda”, afirmou.

Marques lembra que a violência policial não é uma questão recente, mas aponta como o tema foi incentivado pelas campanhas eleitorais de 2018, onde a segurança pública foi uma das principais bandeiras e vários candidatos prometeram carta branca aos policiais que matassem em confronto. “Na pandemia e na quarentena, a gente tem redução da população circulando e, por consequência, menos controle social”, apontou.

O coordenador defende o fortalecimento da corregedoria e da ouvidoria da polícia no Estado, bem como atuação mais firme do MP (Ministério Público) para garantir que os casos sejam devidamente apurados, e ações que reformem a segurança pública de modo geral, como forma de reduzir os números. “Toda polícia precisa de controle. Sem controle, ela vira uma milícia”, concluiu. 

Pesquisador atribui aumento de letalidade à chegada do Baep

Pesquisador do Seviju (grupo de pesquisa em segurança pública, violência e justiça) da UFABC (Universidade Federal do ABC), Carlos Augusto Pereira de Almeida atribuiu o aumento na letalidade policial não à quarentena provocada pela pandemia de Covid-19, mas, sim, a intensificação das operações policiais e à chegada do Baep (Batalhão de Ações Especiais) à região, implementado no segundo semestre do ano passado.

Almeida aponta que o governo do Estado investiu em planejamento de combate mais efetivo ao crime organizado. Portanto, isso faz com que aumente as ações policiais ligadas ao combate e ao enfrentamento de crimes mais violentos como roubo e desmantelamento de fações criminais como o PCC (Primeiro Comando da Capital), que atua dentro e fora dos presídios de São Paulo e de outros Estados, e grupos que estão ligados, principalmente, ao tráfico de drogas. “Sendo assim, o número de ocorrências de flagrante destas modalidades criminais aumentou substancialmente no Grande ABC e isso faz com que possíveis confrontos armados possam ocorrer. Nossa região foi diretamente atingida por esta política do Estado que proporcionou a criação de um centro de operações que tem por finalidade a cooperação entre a Polícia Militar (Baep), a Polícia Civil e o Ministério Público no combate à criminalidade”, comenta.

O pesquisador também lembra que é grande o número de policiais mortos quando estão em serviço ou de folga, e que quando é vítima de assalto, normalmente, os bandidos executam se identificam que o assaltado pertence a alguma força de segurança. “Nas ações, ao suspeitarem que a vítima possa ser policial, os agressores procuram documentos de identificação do agente. Se confirmada a suspeita, as estatísticas mostram que o resultado sempre é trágico”, finaliza.

Governo estadual planeja investir em melhor orientação 

Com o objetivo de reduzir a violência nas ruas e também a letalidade policial, agravada desde o início da pandemia, o governo do Estado de São Paulo anunciou durante a semana que vai iniciar na quarta-feira um programa especial de treinamento para todos os integrantes da Polícia Militar.

Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), as ações serão focadas no desenvolvimento das atividades operacionais e no reforço dos conhecimentos e doutrinas ministradas durante os cursos de formação e instrução ao longo da carreira.

O treinamento abordará temas bastante comuns aos agentes, como direitos humanos, polícia comunitária, abordagem policial, gestão de ocorrências, polícia judiciária, entre outros. Os detalhes do treinamento ainda estão sendo finalizados pelo Comando da Polícia Militar.

O governo do Estado informou também que iniciou, primeiro na Capital, a instalação de câmeras filmadoras corporais nos uniformes dos agentes para registrar as abordagens, e que esta medida visa proteger tanto os cidadãos como os policiais militares, ao aumentar a qualidade das provas produzidas no local dos fatos. Ainda não há previsão para que os equipamentos sejam usados no contingente disponível no Grande ABC.

Sobre o aumento desproporcional de 466% nas mortes em decorrência de confronto policial no Grande ABC durante a quarentena causada pelo novo coronavírus, a SSP informou, por meio de nota, que as polícias paulistas atuam para combater a criminalidade e proteger a população, levando à Justiça àqueles que infringem a lei.
“Mais de 35 mil criminosos foram presos em flagrante no Estado, nos primeiros quatro meses do ano. O compromisso das forças de segurança é com a vida, razão pela qual medidas para a redução de mortes são permanentemente estudadas e implementadas”, relata o órgão, em nota.

O comunicado destaca ainda que, por determinação da SSP, todos os casos registrados são imediatamente investigados pela Polícia Civil e pela Polícia Militar, além de comunicados ao MP (Ministério Público). “As instituições também analisam todas as ocorrências para verificar a conduta dos policiais e avaliar a adoção de alternativas de intervenção para evitar o mesmo resultado em episódios futuros. Não há complacência com o erro ou com desvios de conduta. No primeiro quadrimestre deste ano, 105 policiais civis, militares ou técnico-científicos foram demitidos ou expulsos. Em 2019, foram 226 agentes demitidos ou expulsos.”

Para especialistas, mudança precisa ser de cultura

Pesquisador do Seviju (grupo de pesquisa em segurança pública, violência e justiça) da UFABC (Universidade Federal do ABC), Carlos Augusto Pereira de Almeida atribuiu o aumento na letalidade policial não à quarentena provocada pela pandemia de Covid-19, mas, sim, a intensificação das operações policiais e à chegada do Baep (Batalhão de Ações Especiais) à região, implementado no segundo semestre do ano passado.

Almeida aponta que o governo do Estado investiu em planejamento de combate mais efetivo ao crime organizado. Portanto, isso faz com que aumente as ações policiais ligadas ao combate e ao enfrentamento de crimes mais violentos como roubo e desmantelamento de fações criminais como o PCC (Primeiro Comando da Capital), que atua dentro e fora dos presídios de São Paulo e de outros Estados, e grupos que estão ligados, principalmente, ao tráfico de drogas. “Sendo assim, o número de ocorrências de flagrante destas modalidades criminais aumentou substancialmente no Grande ABC e isso faz com que possíveis confrontos armados possam ocorrer. Nossa região foi diretamente atingida por esta política do Estado que proporcionou a criação de um centro de operações que tem por finalidade a cooperação entre a Polícia Militar (Baep), a Polícia Civil e o Ministério Público no combate à criminalidade”, comenta.

O pesquisador também lembra que é grande o número de policiais mortos quando estão em serviço ou de folga, e que quando é vítima de assalto, normalmente, os bandidos executam se identificam que o assaltado pertence a alguma força de segurança. “Nas ações, ao suspeitarem que a vítima possa ser policial, os agressores procuram documentos de identificação do agente. Se confirmada a suspeita, as estatísticas mostram que o resultado sempre é trágico”, finaliza.




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