O quadrinista gaúcho Allan Sieber pode até protestar, mas saiu ao pai, o também desenhista Jouralbo Sieber. Essa relação se assume de maneira explícita em 'Ninguém me Convidou' (Conrad, 112 páginas, R$ 32,90), espécie de autobiografia organizada em formato de história em quadrinhos. O pai desenhou enquanto o filho desempenhou a função, um tanto deslocada, de ‘chefe' (ou editor, como queiram).
Caçula de seis irmãos, Allan, 38 anos, confessa no prefácio que o pai, 80, sempre foi um "estranho" na maior parte do tempo. "Para mim, Jouralbo sempre foi um ser ameaçador, não violento, mas era aquela coisa, uma figura paterna muito rígida. Alguém que eu temia mais do que o próprio Deus. Mas no final das contas não é esse o papel de um pai?", descreveu.
Em 2006, o autor de 'Vida de Estagiário' admitiu a si mesmo as virtudes do pai como contador de histórias e resolveu entrevistá-lo. A ideia era relembrar (e até confirmar), fatos que colecionava desde a infância. De quebra, ainda se aproximar do pai, já que, se não ficou claro, mantinha bastante distância.
Em três anos, gravou aproximadamente dez horas de conversas em que Jouralbo exibia sua memória prodigiosa a própria história - e muito da criação editorial e publicitária de Porto Alegre. E causos não faltam a Jouraldo, que esteve em atividade como desenhista entre 1940 e 1990.
Os bate-papos foram base para o roteiro da HQ - a primeira de Jouralbo em tantos anos dedicados aos traços. A linha rendeu algumas discordâncias entre os dois. O temporão acreditava que o pai deveria ser mais sacana com alguns personagens que passaram por sua vida. Mas o pai preferiu evitar polêmica.
Mesmo com esse cuidado, o livro não é quadrado. Mostra o humor intacto do velho Sieber, que conservou também o traço da velha escola - ao qual o filho tentou imitar, sem sucesso. Nascia então um cartunista.
Allan não desperdiçou a aproximação: teve muita sensibilidade como organizador das memórias paternas. Misturou nuances e aventuras no cinema, sua passagem pelo colégio católico linha-dura e a Aeronáutica. A cada quadrinho, percepções que entregam uma natureza bastante espirituosa.
Para quem acompanha o trabalho de Allan fica claro que a hereditariedade foi decisiva para seu trabalho. Mais do que um reencontro sem frescuras entre pai e filho, 'Ninguém me Convidou' acaba sendo um tributo dos Sieber à nona arte. Obrigatório para quem, como eles, cresceu em meio a lápis, papel, imaginação e humor.
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