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Ambulantes tomam conta das calçadas

Trabalhadores informais se arriscam ao contágio pela Covid e enfraquecem o distanciamento físico esperado pelo Estado durante a quarentena

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
18/05/2020 | 23:25
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A quarentena em vigor em todo o Estado desde o dia 24 de março fechou comércios e serviços não essenciais, mas fez aumentar o número de vendedores ambulantes nas regiões centrais das cidades do Grande ABC. Com seus produtos expostos em lonas no chão ou no porta-malas de carros, trabalhadores em busca do sustento correm risco de se contaminar pela Covid-19 e, ao mesmo tempo, enfraquecem as medidas de isolamento físico, cuja taxa tem ficado em torno de 50% na região.

Uma volta no entorno das estações de Santo André e Mauá, perto da Praça Lauro Gomes, em São Bernardo, ou na Avenida Antônio Piranga, em Diadema, é o bastante para avistar vendedores de máscaras de tecido, meias, roupas, mel e uma infinidade de produtos. A maioria já era ambulante, passou um tempo sem trabalhar, mas a necessidade a trouxe de volta à rua.

Especialistas da área de economia e sociologia são unânimes ao afirmar que a crise da Covid-19 trouxe luz sobre um grande problema do País: a quantidade enorme de pessoas que são invisíveis para o Estado. Famílias que de alguma forma conseguiam manter seu sustento sem apoio da assistência social, mas que agora não têm mais de onde tirar dinheiro.

Professor de macroeconomia da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), Silvio Paixão destaca que o número de pessoas estimada pela Caixa que iriam pedir auxílio foi superado e chegou a 70 milhões. “Um terço da população, de classes menos favorecidas e que não possuem reserva, não tem qualquer tipo de garantia de renda nem condições de vida adequadas”, cita. “A precariedade talvez seja o termo mais adequado. Pessoas que andam no limite e estão de forma muito mais delicada para viver”, completa.

Na avaliação do docente, as medidas adotadas até agora para transferência de renda e manutenção dos empregos devem auxiliar nos primeiros meses de pandemia.

Economista e sócio da auditoria e consultoria HLB Brasil, Marcelo Fonseca lembra que boa parte deste contingente de pessoas estava fora do sistema bancário e muitos sequer tinham smartphones e internet para realizar cadastros e obter o auxílio emergencial de R$ 600 disponibilizado pelo governo federal. “Neste primeiro momento, em função das dificuldades de ter acesso ao auxílio, ou esse auxílio não é suficiente, essa pessoa tem que sair às ruas, o que se reflete na grande dificuldade de o governo de implementar distanciamento”, pontua.

Essa invisibilidade para o governo, destaca Fonseca, também impacta diretamente na arrecadação da União. “Pessoas que atuam absolutamente na informalidade e não contribuem com a Previdência, que é um sistema onde quem trabalha mantém quem não pode mais trabalhar”, afirma.

Para o economista, após a retomada das atividades econômicas, o Brasil deve levar cerca de três trimestres para retomar o patamar em que estava antes da pandemia, do ponto de vista econômico. “O País vinha ensaiando uma recuperação e vai precisar aprofundar as reformas”, opina.

Já para Paixão, os padrões de consumo devem mudar drasticamente após a quarentena e impactar negativamente na retomada da economia. “Será definido neste novo normal o que é essencial”, aponta.

Professor universitário e sociólogo, Yago Junho acusa a “ineficiência e inércia” do governo federal em fazer chegar aos cidadãos o auxílio financeiro como responsável pela resistência de muitos trabalhadores em fazer a quarentena. "Temos um presidente que atua contra o isolamento e os mais fanáticos o seguem", argumenta. Junho afirma que a economia brasileira já vinha mal antes da crise da Covid-19 e que a pandemia deixou claro que um sistema neoliberal não é eficiente. "Em um cenário em que o governo segue o mesmo, não veja perspectiva de melhora", conclui.


Prefeituras afirmam que atuam na fiscalização

Apesar do flagrante aumento de trabalhadores informais que atuam como ambulantes no centro das maiores cidades do Grande ABC, as prefeituras afirmam que realizam fiscalização, uma vez que o comércio de itens não essenciais está proibido na quarentena.

Em Santo André, a Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André), empresa pública responsável pelo cadastramento e fiscalização do comércio de ambulantes, informa que os trabalhadores cadastrados estão impossibilitados de exercer a atividade em atendimento aos decretos estadual e municipal, que trazem medidas para contenção da Covid-19. “As equipes de fiscalização estão trabalhando, efetuando operações e reprimindo o comércio irregular.” A empresa informa que disponibiliza cestas básicas para os ambulantes cadastrados, bem como suporte para o requerimento do auxílio emergencial do governo federal.

Em São Bernardo, o departamento de fiscalização e posturas está atuando para coibir o funcionamento do comércio ambulante irregular, por meio de rondas diárias, em conjunto com a GCM (Guarda Civil Municipal). A Prefeitura distribui cestas básicas aos 677 ambulantes licenciados, impactados pelas medidas de isolamento.

Diadema tem feito fiscalização. “Equipes multidisciplinares são divididas por bairros de acordo com planejamento semanal e as denúncias de irregularidade”, relatou em nota. Mauá alega que os ambulantes cadastrados têm obedecido à quarentena e que age na fiscalização, mas reconhece que muitos lojistas, com suas lojas fechadas, podem ter migrado para essa modalidade por necessidade. A administração tem distribuído cestas para famílias que tenham alguém com deficiência, idosos, gestantes e que não estejam inseridos em programa de benefícios do governo federal 




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