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Fnac Sao Paulo expoe fotos de Sebastiao Salgado
Radha Abramo
Especial para o Diário
06/06/1999 | 17:23
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Contemplada com importantes prêmios e reconhecida nos centros do mundo inteligente pelo seu valor técnico e artístico, a série de fotos Outras Américas (1986), de Sebastiao Salgado, inaugurou a Fnac Sao Paulo. As obras estao distribuídas, criteriosamente, nos espaços consignados a mostras de fotografia.   

O conjunto das fotos, em preto-e-branco, exibe o roteiro predestinado do autor, tratando do universo das maiorias desprotegidas da sociedade.   

A quantidade expressiva das gamas dos tons negros, utilizada pelo artista, revela a grande riqueza contida, apenas, em uma cor - o negro - uma vez manipulada com a desenvoltura e maestria de quem conhece a especificidade do trato com o claro-escuro. Brancos e cinzas e, estes, escurecendo-se até o negro, mais profundo, constróem o espaço das composiçoes formando planos que montam perspectivas e linhas de fuga.   

Todas as imagens construtivas das fotos, além da comovente matéria plástica que exibem, ainda criam oposiçoes entre si, compondo metáforas que sao apreendidas de um só lance. Na foto México, 1980 os dois homens, à beira do abismo, mirando as nuvens, braços abertos e pés fincados na terra, sem dúvida preparam-se para um grande vôo.   

Em Guatemala, 1978 o rosto brejeiro da menina suportando sobre a cabeça a bandeja branca, contendo maças do amor, contrapoe-se ao quadro ou janela com rosto de mulher, adulta, figura de mae que olha de soslaio a criança e insinua-se reduto de todas as histórias do mundo. Pode-se perguntar se os dois mexicanos atiram-se no abismo e se a mae cria coragem e adverte a menina por ter sobre si tantas promessas de amor!   

Mas nada disso teria maior relevância do que a fixaçao do clímax artístico do vir a ser, felizmente clicado pelo fotógrafo. Vai ocorrer alguma coisa! É o vir a ser? O quê? Nao importa o resultado, pois o despertar da dúvida do que será é muito mais chocante e convincente do que qualquer sinalizaçao futura. O fotógrafo consegue registrar a situaçao focalizada, expectante, um tempo antes de que ela se torne banalizada pela própria fotografia. Fatura de artista.   

A obra de Sebastiao Salgado sobre as grandes maiorias do mundo atual confere-lhe também o valor do exercício do comprometimento e da indignaçao com as diferenças das vidas das pessoas. Ele escolheu o atalho da exclusao social para mostrá-lo aos seus semelhantes. Por convicçao. sem proselitismo e/ou futurologia, mas usando a criaçao artística e dos meios técnicos peculiares, o fotógrafo reserva-nos o documento de uma sóbria e penetrante memória plástica do final deste século.   

Formado em Economia pela USP, em 1969 Salgado foi a Paris fazer uma pós-graduaçao, encaminhando-se para o doutorado em 1973, quando assumiu-se fotógrafo, trabalhando em inúmeras pesquisas de campo de 26 países, de todos os cinco continentes. Habitaçao, imigraçao, resistência cultural dos índios, seca na Africa, relaçoes de trabalho, trabalhadores, fome e outros temas afins sao os centros de interesse do fotógrafo.   

A fotografia vem sendo revigorada nos últimos tempos, em parte pelas enormes possibilidades técnicas de reproduçao e em parte pela extrema confusao provocada por muitos artistas plásticos que se dao a si próprios a obrigaçao de criar sempre novas tendências artísticas e acabam por cair na depressao por nada de novo ter para fazer. O surgimento de um profissional do porte intelectual e técnico de Sebastiao Salgado dá um sentido mais vigoroso à criaçao artística atual.




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