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Lura canta suas raízes
Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
09/02/2007 | 20:03
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M’bem di Fora, em crioulo, significa algo como “eu venho de fora” ou “eu venho da aldeia”. E vem de Lisboa, Portugal, a Santo André, a cantora Lura. M’bem di Fora é o nome do disco cujo repertório ela apresenta neste sábado, às 20h, no Sesc da cidade. É também o álbum no qual ela reivindica suas raízes cabo-verdianas, terra natal de seus pais, que foram morar em uma comunidade cabo-verdiana na capital lusitana, onde ela nasceu e vive até hoje.

Lura, curiosamente, só conheceu Cabo Verde aos 21 anos. “Costumo dizer que minha música chegou primeiro”, diz a lisboeta, que então havia sido convidada a cantar em sua terra natal. “Foi a melhor coisa que fiz na minha vida”, afirma, sobre essa experiência. “Foi um encontro comigo própria, a explicação para tudo, a minha cultura, a cor de minha pele. Foi uma descoberta e uma confirmação”.

Até então, Lura só conhecia Cabo Verde à distância. “Meus pais ouviam músicas de lá. As comidas, as festas, os encontros eram todos como os costumes de Cabo Verde. Sempre estive perto , mas sonhando em conhecer o país pessoalmente”, Até crioulo ela aprendeu a falar, mas apenas com amigos. Os pais não queriam que ela cultivasse o idioma para não prejudicar seu aprendizado em Portugal.

Divisor de águas - E foi justamente quando Lura decidiu levar essa redescoberta ancestral para seu trabalho que começou a ganhar notoriedade. Em 2005, lançou o CD e o DVD, Di Korpu Ku Alma, com o qual excursionou por França, Estados Unidos e Portugal. Foi o divisor de águas de sua carreira.

M’bem di Fora é apontado pela crítica européia como um disco mais maduro desta fase. E a ligação de seu nome com a da cantora Cesária Évora se torna inevitável. “Ela é nossa mãe, a cantora predileta, quem espalhou o nome de Cabo Verde ao mundo e todos devemos a ela”, diz. Admite que a veterana é referência, sim, mas destaca a forma como lida com seu trabalho. “Ela continua na estrada e isso não é nada fácil. Eu mesma sinto isso. Às vezes, o corpo chora. Você diz, ‘hoje não vou levantar, não consigo’. Eu a vejo com uma força tremenda e a admiro de forma enorme”, diz.

Neste mais recente disco – que ainda não é distribuído no Brasil, mas terá alguns exemplares à venda esta noite – Lura passeia por diversos gêneros de sua terra do coração, como a coladera, a funaná, o batuku e a mazurka.

O mais antigo de todos é o batuku, cantado, dançado e tocado principalmente por mulheres, desde os tempos da escravidão. Nas letras, as dores e angústias dos problemas sociais vividos pelos cabo-verdianos.

Bastante conhecida e difundida por Cesária Évora, a coladera surgiu de uma leitura mais acelerada da morna. “Há vários tipos de coladera, uma delas é a sambada, com influências do samba”, diz Lura. A morna, por sua vez, é dos gêneros mais antigos. “Não se sabe se o fado surgiu da morna ou o contrário, porque há uma semelhança dos temas, que falam de amor e saudade, e dos instrumentos, que são guitarra (violão) e cavaquinho”.

A curiosa funaná teria sido criada por um casal, cujos nomes eram Funa e Naná. Um toca acordeom e o outro, ferrinho. “Não é um triângulo, pois este é muito bem acabado. É um ferro por polir”, diz. Quem assistir ao show terá a oportunidade de ouvi-lo.

É a própria Lura quem compõe boa parte da letras. “As idéias surgem, nem sei como”. Ela diz que poderia, por exemplo, interromper a entrevista para logo colocar no papel uma idéia. Às vezes sonha com uma canção, acorda e grava. “São coisas que estão muito dentro. Acho que têm a ver com sentimentos fortes, quando estou muito alegre, triste ou muito apaixonada”, diz.

Neste álbum, Lura canta desde a saudade de quem recebe uma carta e espera alguém voltar, até uma simples história de uma menina que machuca o joelho ao cair do cavalo. Mas a chuva, tão esperada pelos cabo-verdianos, está presente em duas faixas, As-Água e Ês Anu Raboitas Ka Di Fiansa (algo como Este Ano Não é de Confiança).

“A chuva é algo precioso. Se chove, estão todos alegres. Há agricultura e comida. Quando não chove, passam momentos de grande sacrifício. Por isso há muita imigração. A vida não é estável lá”, diz. O período das águas é agosto. Depois, ela rareia.

Acaso - Lura começou na música quase por acaso. Era uma adolescente que sonhava em ser bailarina e trabalhava com dança e teatro em Lisboa. Até que um dia, Juka, uma músico africano do zouk de São Tomé e Príncipe, convidou ela e outros colegas do balé para participar de um disco seu. Gostou da voz de Lura e resolveu investir nesse seu dote artístico.

“Nem sei o que se passou pela cabeça dele”, diz. Lura diverte-se em lembrar que nem gostava muito de sua voz. “Eu achava que tinha voz grave, rouca e a maioria das meninas tinha aquela voz aguda, feminina, bonitinha”. Acabou que Juka gostou e Lura tomou gosto de verdade pela música. Ela, que nunca tinha pensado nessa possibilidade, afirma: “Tudo é uma questão de oportunidade e de como você olha para as coisas”. Na lista de planos, um desejo: “cantar até o fim da vida”.

Lura – Show. Neste sábado, às 20h. No Sesc Santo André – r. Tamarutaca, 302. Tel.: 4469-1200. Ingr.: R$ 16 (usuário matriculado e dependentes). R$ 8 (comerciário). R$ 10 (terceira idade, aposentados, estudantes com carteirinha e professores da rede pública). Sites: www.sescsp.org.br e www.luracriola.com




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