Na segunda semana de programaçao do Festival Internacional de Londrina, dois espetáculos teatrais de linguagens muito diferentes, destacaram-se na programaçao: El Experimento Damanthal, com o grupo argentino La Barraca, apresentado para apenas 40 espectadores no Teatro Núcleo I e The Fragrance of Time, com o polonês KTO, uma superproduçao apresentada ao ar livre, no tiro-de-guerra local, para 1,2 mil espectadores, que encerrou o evento neste domingo em grande estilo.

O homem reduzido a seu corpo, por meio do qual manipula-se nossa subjetividade. Essa reduçao do ser humano (realidade deste fim de milênio marcado pela experimentaçao genética, por corpos esculpidos em academias ou operaçoes plásticas e mentes estimuladas por drogas como Prozac e Viagra) é tema de El Experimento Damanthal. Para falar sobre isso, o autor e diretor Javier Margulis mesclou a linguagem das artes plásticas e do teatro numa encenaçao original e contundente.

Os cinco atores do grupo nao falam. O único texto é uma narrativa em off que nos fornece dados biográficos do cientista Alfred Damanthal, contemporâneo de Freud, que teria realizado experimentos com seres humanos em uma clínica, um personagem fictício. Como cenário, um tríptico negro sobre o qual as imagens alternam-se aos olhos do espectador. A contundência das imagens remete ao espetáculo O Livro de Jó, de Tó Araújo, mas, ao contrário daquele, nada em Damanthal é febril. Tudo é gélido e o horror paralisa o espectador, que acompanha tudo em silêncio.

Toda subjetividade é negada às cobaias humanas de Damanthal. Dor, afeto, sexualidade, tudo é manipulado. Num dado momento, uma atriz faz um sutil gesto de carinho num "paciente" e fica claro, aos nossos olhos, que um gesto afetivo livre e pessoal é impossível àquela cobaia. Os atores nao voltam para o aplauso final e o público sai do teatro com uma inevitável pergunta em mente: No campo de batalha que se tornou nossa subjetividade qual o limite de nossa resistência?

Rara alquimia - A subjetividade também subiu ao palco em The Fragrance of The Time, porém num tempo em que ainda há espaço para a fantasia, a infância. Igualmente sem palavras, o grupo KTO, dirigido por Jerzy Zon, conseguiu rara alquimia em cena: um espetáculo grandioso, com muitos efeitos e ao mesmo tempo intimista, transportando os espectadores de volta à infância, ao falar dos medos e fantasias de um menino.

Havia uma expectativa grande em torno do espetáculo final do Filo, porque boa parte da cenografia foi feita na oficina do Cabaré e sua construçao foi acompanhada pelo público. Foram feitos ali uma gaiola de 7 metros de altura por 3,5 de largura, um triciclo, 300 soldados de madeira e dois cabideiros de 5,5 metros de altura. A produçao requisitou 350 metros de tecido, 9 mesas escolares antigas, 11 sobretudos de exército e trabalhou com 13 figurantes locais, além dos 13 poloneses.

Esperava-se um espetáculo para encher os olhos, mas, no sábado à noite, veio a grande surpresa - era feito para afagar a alma. Tudo era gigante, porque visto da ótica de um menino. Na primeira cena, um ator mirim polonês era conduzido pelos pais, gigantes em perna de pau e logo ficou claro que a infância nao seria idealizada. O pai era repressor e a gaiola gigante nada mais era do que o quarto do menino, a um só tempo espaço de proteçao, contra, por exemplo, dez pássaros gigantes que o perseguiam em pesadelos - e também símbolo de limitaçao.

A educaçao religiosa e a escolar, bichos-papoes da infância, ganharam forma, assim como brincadeiras de cuspe à distância e descoberta da sexualidade. Um espetáculo lúdico e encantador que proporcionou um belo encerramento à ótima ediçao deste ano do Filo.