A pacata Oak Park, cidadezinha perto de Chicago, Illinois, nos Estados Unidos, vive nesta quarta-feira um dia especial. Foi lá que nasceu, há exatos 100 anos, o escritor Ernest Hemingway. Além de uma variada agenda que prevê conferências, debates, exposiçoes, exibiçoes de filmes e documentários, o Comitê para a Celebraçao do Centenário de Hemingway preparou uma grande festa ao ar livre para esta noite. No cardápio, muito vinho e pratos da culinária espanhola, a preferida do Papa, como era chamado o genial autor de, entre outras obras-primas, O velho e o mar e Por quem os sinos dobram.

A casa em que nasceu, e na porta da qual o médico Clarence Hemingway, seu pai, teria tocado trompete para anunciar a novidade logo após ter beijado a testa da cantora lírica Grace Hall Hemingway, a mae, ganhará uma placa para marcar um longo período de reformas. Agora, o lugar é referência obrigatória para quem se interessa pela história de um autor mundialmente conhecido.

Perto de Oak Park, a Universidade de Chicago também celebra o centenário com uma série de conferências. Está sendo assim, e ainda será, em muitos lugares do mundo, sobretudo nas principais capitais européias, por onde Hemingway circulou colocando em prática sua condiçao de cidadao sem fronteiras.

Cuba, endereço de Hemingway por 22 anos, também preparou uma festa no quintal da Finca Vigía, a confortável mansao que também foi habitada por dezenas de gatos. Todos os eventos norte-americanos a respeito das comemoraçoes estao sendo - ou serao - custeados pela Fundaçao Ernest Hemingway e pela Galeria Nacional do Retrato, uma das muitas instituiçoes museológicas pertencentes ao Instituto Smithsonian, sediado em Washington.

O Smithsonian, aliás, e ao que tudo indica, nao dá mostras de reaquecer a polêmica iniciada por um de seus pesquisadores há quatro anos. Em 1995, Clive Hugens, especialista em literatura norte-americana, divulgou uma pesquisa realizada com 1,5 mil pessoas - homens e mulheres acima de 30 anos de idade e nascidos nos Estados Unidos ou na Europa - que se declararam leitores de pelo menos quatro títulos da obra de Hemingway. O trabalho, caracterizado por um questionário cuja metodologia forçava o entrevistado a revelar o grau de conhecimento sobre o autor e os livros citados, mostrou que muita gente - 78% - tinha lido bem menos, cerca de 30%, do que afirmava. A análise constatou, mais tarde, que muitos entrevistados simplesmente assumiram como informaçao literária as histórias reais de uma vida turbulenta, repleta de paixoes e de experiências que têm como origem açoes violentas - ele se matou com um tiro de espingarda em 2 de julho de 1961.

Em outras palavras, muitos leitores confundiram vida (mítica, que seja) com uma obra literária que tem como perfil geral o homem diante do perigo e disposto a preservar um padrao ético pautado pela coragem. Ou, ainda, gostariam que houvesse muito mais conteúdo autobiográfico nos livros de Hemingway do que há de fato. Seja como for, Hemingway sempre vendeu muito bem - cerca de 1 milhao de cópias por ano - e sua obra, 16 livros e pelo menos cinco dezenas de contos, é alvo de constantes retraduçoes e reediçoes.

Para este ano, uma das grandes novidades nos Estados Unidos é o lançamento de True at first light (Verdade à primeira luz), romance de caráter semi-autobiográfico que narra aventuras na Africa selvagem. O conteúdo é baseado nas andanças do próprio Hemingway durante um safári realizado em 1953 e 1954 no Quênia.

Além disso, pela Scribner, editora que detém o direito de publicar a obra do escritor, há a apresentaçao de todos os livros assinados por ele com um selo comemorativo na capa. Assim, em dourado, a obra completa de Hemingway é apresentada nas vitrinas e prateleiras das livrarias norte-americanas com a chancela The Hemingway Century. No Brasil, infelizmente, ainda nao se tem notícias de nenhum grande evento em torno do nome do autor que, por seu estilo econômico e simples, e por seu humanismo, conquistou o Pulitzer em 1953 e o Nobel no ano seguinte.