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João Gilberto é só saudade

Cantor e compositor baiano morre aos 88 anos; o ‘maior de todos’ sempre será a alma da bossa nova

Marcela Munhoz
Do Diário do Grande ABC
07/07/2019 | 07:00
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Divulgação


 Pai é quem cria, zela e ama. E João Gilberto (1931-2019) não largava seus filhos: o violão, o banquinho e a bossa nova. Artista baiano de Juazeiro, o cantor e compositor se despediu desse mundo ontem em casa, no Leblon, Rio de Janeiro. Tudo aconteceu no seu canto, sem alarde, discreto como foi em seus 88 anos de vida. Só a música mesmo para fazê-lo colocar a cara na rua, algumas vezes sob os holofotes. Os milhares de fãs do artista – lista com Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Betania, Tim Maia – agradecem a esses momentos de superação da timidez. João Gilberto mudou suas vidas.

Desde o lançamento do compacto de 1959 Chega de Saudade – faixa de mesmo nome composta por Tom Jobim e Vinicius de Moraes – começou uma revolução na música. “Ele foi o criador, ou melhor, a alma da bossa nova, que pode ser traduzida pela batida no violão e pelo jeito de cantar. No violão, sintetizou as batidas do surdo e do tamborim, reduzidos, na mão direita. No canto, reduziu os arroubos dos cantores do samba-canção e do bolero até chegar a um canto sutil. É referência importantíssima para entendermos a MPB (Música Popular Brasileira) depois da bossa nova”, explica Herom Vargas, doutor em comunicação e semiótica e professor de arte e cultura na Universidade Metodista.

A maneira discreta e marcante de cantar conquistou Edu Moreno, saxofonista e flautista de Santo André. “Foi um grande divisor da música, inovou. Em meio a tanta vozes potentes, trouxe algo mais enxuto, mas ao mesmo tempo, rebuscado, refinado. Garanto que a maior parte dos músicos foi influenciada por ele porque revolucionou todo o processo da arte”, diz.

A cantora da região Giselle Maria também ficou fascinada por João Gilberto ainda nos seus primeiros passos da carreira artística. “O controle que ele tinha na divisão rítmica – atrasava na voz e adiantava no violão, e depois fazia o contrário – foi o que mais me apeteceu nele. Sem contar na batida da bossa, pequena na mão direita. Até hoje levo isso comigo. É uma perda muito grande, mas João deixa um legado maior ainda, e não só para a música brasileira, mas para a mundial. Nós, artistas, somos muito gratos.”

João Gilberto teve três filhos – João Marcelo, Bebel e Luísa. “Sua luta foi nobre, ele tentou manter a dignidade à luz da perda de sua soberania”, disse João, cujo pai já enfrentava alguns problemas de saúde. Mesmo com a chegada implacável da idade, os íntimos afirmam que os dedos leves e talentosos do músico continuavam a carinhar o violão e os ouvidos dos poucos que estavam por perto. Som baixinho, mas único. “Melhor que o silêncio, só João”, disse sabiamente certa vez um tal de Caetano Veloso.




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