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Tratamentos psicológicos afastam 42 PMs por ano na região

Em cinco anos, 210 agentes ficaram, em média, 35 dias longe das atividades para cuidar da saúde

Aline Melo
24/03/2019 | 07:33
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DGABC


Afastamentos para tratamentos psicológicos tiraram temporariamente de atividade, entre 2014 e 2018, 210 policiais militares do Grande ABC, média de 42 casos por ano. O tempo médio de afastamento foi de 35 dias (veja dados na tabela). Considerando o efetivo que atua na região (são cerca de 3.200 policiais, conforme informações do comando local, dos 3.761 que deveriam atuar), os afastamentos representam quase 8% dos agentes de segurança. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), a depressão é a principal causa de problemas de saúde e incapacidade do mundo.

Os números foram obtidos pelo Diário junto à SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo, por meio da Lei de Acesso à Informação. A pasta não informou, entretanto, quantos destes profissionais voltaram à sua função original e/ou foram adaptados para outras tarefas. Especialistas avaliam que o número é preocupante, embora chamem atenção para a subnotificação do problema, uma vez que há tabu sobre o tema.

Diretor da Anamat (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), João Silvestre Silva Junior afirma que as doenças mentais e outras questões psicológicas são problema global, que geram impactos tanto na produtividade quanto na vida dos indivíduos – eles tendem a se isolar quando estão em sofrimento. No caso de policiais, há agravante em relação à expectativa própria e da sociedade de que os profissionais sejam ‘super-heróis’, considera. “Admitir essa fragilidade gera duplo sofrimento, tanto pela situação que a pessoa passa quanto por não atender a essas expectativas”, pontuou. Essa dualidade colabora para que os casos não sejam informados aos superiores ou, quando são, normalmente o quadro da doença já está avançado. “A demora em procurar tratamento pode agravar ainda mais a situação, não raro, levando a aposentadorias precoces”, completa.

Bacharel em Ciências e Humanidades e pesquisador do Seviju – Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC), Carlos Augusto Pereira de Almeida avalia que os dados são preocupantes, principalmente os de 2014 – naquele ano foram 84 afastamentos. “É bem provável que tenha relação com a onda de violência a que os agentes de segurança estavam sendo expostos, devido aos ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), que vinham ocorrendo desde 2012.” Os registros subsequentes, na visão do especialista, são associadas à criação de vagas de trabalho para os policiais na folga, com oportunidade de renda extra.

Almeida, que também é PM, destaca que a condição de ser afastado por problemas psicológicos é constrangedora dentro da corporação, por isso, muitos acabam escondendo. “Ocultam sua condição para que não sejam excluídos do grupo ou taxados como problemáticos”, exemplificou.

A SSP informou que a PM dedica atenção aos cuidados psicológicos de seus agentes e que o sistema de saúde mental da corporação disponibiliza serviços de atendimentos realizados por psicólogos e assistentes sociais do Caps (Centro de Atenção Psicológica e Social). Informou, ainda, que, periodicamente, são avaliadas as condições psicoemocionais dos policiais envolvidos em situações de risco. “(A corporação) Auxilia no processo de adequação e retorno às atividades profissionais. Todo esse trabalho e seus resultados são acompanhados e supervisionados pelo comando da instituição.” 

Local de trabalho pode influenciar na saúde

A atuação como Policial Militar é estressante e essa situação se agrava dependendo da cidade onde o agente trabalha, afirma o bacharel em ciências e humanidades e pesquisador do Seviju – Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC) Carlos Augusto Pereira de Almeida. “Há diferenças de trabalho e carga de estresse no Grande ABC. Um policial que trabalha, por exemplo, em Diadema, possui muito envolvimento com ocorrências envolvendo criminalidade e violência, diferente de policial que atua nas regiões de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra”, pontua.

De 2014 a 2018, 210 policiais militares da região se afastaram do trabalho, por um tempo médio de 35,6 dias, devido a questões de saúde mental. “O policial que foi diagnosticado e está afastado sofre impactos diversos, como a redução orçamentária, tendo em vista não realizar atividades extras; não convive bem com os companheiros, pois é taxado e excluído dos grupos; e sua família sofre com isso”, aponta.

Almeida, que também é policial militar, diz ainda que há danos para a corporação. “A perda de um profissional que poderia estar realizando atividade gera prejuízo no número de agentes ativos, diminuindo o efetivo e prejudicando no policiamento. Consequentemente, os impactos também são refletidos na segurança pública, pois além de o batalhão estar com um policial a menos no quadro de ativos, aquele profissional que apresentou problemas psicológicos e que talvez ainda não esteja afastado, pode gerar outras situações ruins, como deixar de atender bem um cidadão ou até mesmo se tornar agressivo.”

Alto grau de estresse reflete atuações fora do padrão

Esgotamento profissional e alto grau de estresse podem ter vários efeitos sobre os trabalhadores, afirma o diretor da Anamat (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) João Silvestre Silva Junior. Segundo ele, a síndrome de Burnout é o agravamento deste quadro, que pode resultar em atuações fora de padrão e falta de empatia pelo próximo. “No Carnaval, houve episódios de excessos em atuações policiais que podem indicar profissionais em sofrimento”, cita.

A ação dos policiais – durante dispersão de um bloco na região central de São Paulo, a Polícia Militar usou balas de borracha e spray de pimenta – foi criticada até mesmo pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que determinou apuração para identificar eventuais problemas.

Bacharel em ciências e humanidades e pesquisador do Seviju – Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC), Carlos Augusto Pereira de Almeida pondera que a atividade policial, pela sua natureza, é complexa e carrega “carga de mazelas sociais que o agente absorve sem perceber”. “O PM está exposto diariamente às diversas formas de violência, seja nas ocorrências diárias, como roubos, perseguições, acidentes de viatura, troca de tiros, brigas familiares, mas também àquelas em que que o próprio agente é alvo”, pontua. “Temos número elevado de policiais mortos e feridos em decorrência de tiros simplesmente pelo fato de ser policial, ou seja, a sensação do PM hoje em dia é a de que é alvo e precisa estar atento o tempo todo”, completa.

Silva Junior argumenta que as avaliações de aptidão física e mental dos agentes devem ser recorrentes ao longo da vida profissional. 




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