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'Ex-presidente não tem de dar palpite'
Lola Nicolas e Sérgio Vieira
27/04/2008 | 07:17
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Lula diz que adora uma briga. Ele se refere às críticas mundiais que o Brasil vem sofrendo por conta da defesa dos biocombustíveis. Mas também vale quando critica – sem citar nominalmente – o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Vou ensinar como um ex-presidente precisa se comportar. Ex-presidente não tem dar palpite.” Revela, também, que poderá pensar em novo mandato em 2014 se, em 2010, for eleito um ‘inimigo’. Mas fala de seu desejo hoje: “Quero terminar meu mandato com saúde e eleger meu sucessor. Aí vou viver minha vida em São Bernardo.”

Leia alguns trechos da entrevista exclusiva concedida ao Diário na última quarta-feira, no Palácio do Planalto, em Brasília, quando fala também de sindicalismo, Saúde, reforma tributária, controle da inflação e Itaipu.

DIÁRIO – Que hipótese lhe agrada mais: tentar um terceiro mandato, em 2014, ou disputar uma cadeira no Senado?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA – Eu não tenho nenhuma intenção de ir para o Parlamento. O que eu quero é terminar meu mandato com muita saúde e que eu consiga eleger meu sucessor. Aí vou viver minha vida em São Bernardo e deixar a pessoa eleita governar o País. Eu vou ensinar alguns ex-presidentes como um ex-presidente precisa se comportar. Um ex-presidente não tem dar palpite. Se chamado, dá opinião. Se não chamado, ele fica quieto. Essa é a contribuição que eu posso dar. Para eu voltar em 2014, deveria ser eleito um inimigo meu no governo. Porque se tiver um sucessor que eu tenha trabalhado para ele ganhar, é normal que ele tenha direito a uma reeleição, como eu tive. Como eu vou ficar no pé? Vou arrumar essa pessoa como inimiga. Hoje a minha cabeça funciona assim: oito anos é um bom tempo para alguém governar o Brasil e ficar quieto depois.

DIÁRIO – Quando da aprovação das centrais sindicais, o sr. vetou o fato das contas dos sindicatos serem analisadas pelo Tribunal de Contas da União. Isso não foge um pouco do que o sr. pregava na época de sindicalista?
LULA – Não. Se você pegar minha história, vai perceber que eu pautava minha vida pela liberdade e autonomia sindical. Tudo aquilo que for verba federal, a Controladoria Geral da União pode fiscalizar. O que nós não podemos permitir é que o Tribunal de Contas da União tenha ingerência dentro da contabilidade sindical. Esse foi meu discurso a vida inteira. Eu quero que os trabalhadores adquiram condições de fiscalizar as contas de seus sindicatos. Passei minha vida brigando por isso.

DIÁRIO – Mas hoje isso mudou muito, já que vários sindicatos-fantasmas no País.
LULA – Isso não é culpa do governo. É culpa de uma estrutura. Nós tentamos mudar, mas eles não estão de acordo. Se não estão de acordo, não posso fazer por minha conta. Sou obrigado a aceitar as regra do jogo democrático. Eu gostaria que a estrutura sindical brasileira mudasse, mas eles não querem. Vou fazer o quê? Agora sou contra um órgão sindical descer lá e meter o dedo no sindicato.

DIÁRIO – Hoje o número de leitos do SUS (Sistema Úncio é bem abaixo da média do Estado. Dá para mudar esse cenário?
LULA – Tanto dá para mudar que nós tínhamos feito o PAC da Saúde. Acordamos que ele deveria ser feito junto com a regulamentação da Emenda 29, que determina um percentual do PIB para a Saúde. E tínhamos colocado R$ 24 bilhões a mais para a Saúde. O que aconteceu? O PSDB e o DEM resolveram derrotar a CPMF. Conclusão: tiraram o programa de Saúde que nós íamos lançar. Agora estamos trabalhando para ver se é possível reconstruir uma política que possa melhorar a questão da Saúde no Brasil, incluindo mais leitos públicos.

DIÁRIO – O sr. acredita que a reforma tributária seja aprovada ainda em 2008?
LULA – Gostaria que ela fosse aprovada este ano. Ela precisa ser aprovada. Acho que o Congresso tem de assumir esse compromisso, porque é uma necessidade. A gente não pode passar mais 10 ou 15 anos falando de política tributária. O projeto está lá. Ele não pode não ser o mais perfeito dos projetos, mas está lá. Que façam as emendas necessárias , mas que se prove logo para o Brasil parar de falar de política tributária.

DIÁRIO – Por que tanta insatisfação com a alta dos juros?
LULA – Brinco que no Brasil existe a tensão pré-Copom (Comitê de Política Econômica). Obviamente que em sã consciência ninguém quer o aumento de juros. Nem o Henrique Meirelles (presidente do Banco Central) nem eu. Mas não vejo nenhum presidente de instituição empresarial acompanhar se seus empresários estão ou não aumentando os preços, porque se não houve aumento de preço não haveria inflação. Se não houvesse inflação não precisaria aumentar os juros. É uma lógica muito simples. Por que tem de aumentar os juros? Porque você olha para frente, daqui a dois anos, e você percebe que a inflação pode perder o controle. Tem muita gente que diz que se vai de 6% para 7% não significa nada. Mas se vai de 6% para 7%, pode chegar a 10%, e aí você perde o controle quando ela chegar em dois dígitos. Enquanto pudermos controlar a inflação, vamos controlar. Para os pobres, a inflação controlada é importante. Mas se tivermos de fazer algo para inflação ficar controlada, vamos ter de tomar um remédio amargo em algum momento. O mecanismo deste momento foi o aumento da taxa de juros.

DIÁRIO – Falando de política internacional, o Brasil vai renegociar a tarifa de energia elétrica com o Paraguai?
LUlA – A realidade é que temos um Tratado, que diz claramente que o Paraguai tem 50% de toda a energia produzida em Itaipu. Enquanto o Paraguai não utiliza essa energia, ele tem de vender prioritariamente o excedente ao Brasil. Esse é o Tratado. E é isso que nós não queremos mudar. Obviamente não existe nada que não seja possível de negociar em política. Se o Paraguai e o Brasil juntos provarem que o preço está aquém daquilo que o Brasil deveria pagar, eu não vejo problema da gente discutir. Agora é preciso saber com base no que. Ontem (terça-feira) telefonei para o presidente (Fernando) Lugo e disse que assim que quiser poder vir ao Brasil que nós poderemos conversar.

DIÁRIO – O sr. não teme um novo episódio como o da Bolívia?
LULA – Não temo, até porque o que aconteceu na Bolívia era previsível, diferentemente do Paraguai. Era normal que fosse acontecer na Bolívia, eu concordei, apesar de alguns no Brasil quisessem que eu fosse agressivo com eles. Eu entendia que era um direito da Bolívia querer ser dona de seu gás. Agora, Itaipu é diferente. Itaipu não é um poço de petróleo. É uma fábrica de produzir energia, feita em um rio que divide os dois países. E eu estou convencido de que o Paraguai precisa se desenvolver industrialmente. E a maior responsabilidade pela tranqüilidade do continente sempre será do Brasil, porque é o país mais industrializado, a maior economia, tem a maior população e, portanto, sobre os maiores pesam a maior responsabilidade.

DIÁRIO –É por causa desse liderança que Brasil vem sendo criticado por conta da defesa dos biocombustíveis?
LULA – Eu sempre faço analogia com o futebol. Quando entram dois times em campo, e tem um jogador que não é conhecido, que não é bom de bola, que não é famoso, ninguém faz falta nele, ninguém nem encosta nele. Agora quando o cidadão começa a ficar bom de bola, ele mal pega na bola e alguém vai lhe dar um botinada para não deixar ele fazer um gol. O que acontece é que o Brasil deixou de ser coadjuvante. E quando nós apresentamos ao mundo o biocombustível como uma solução para evitar a emissão de CO2, obviamente que nós iríamos arrumar adversários. Primeiro, as empresas petroleiras e depois os países arrumados. Quem tem sua indústria arrumada não quer mudança. Aí quando nós apresentamos, o que acontece? Eles começam a criar uma sobretaxa muito alta para o álcool brasileiro, que não cobram para o petróleo. Mas isso não me assusta porque essa é uma briga que eu adoro fazer. É uma briga que acho que o Brasil, os empresários brasileiros, a imprensa, todo mundo tem de fazer diariamente.Porque senão nós vamos terminar mais um século e quem era rico vai ficar mais rico e quem era pobre vai ficar mais pobre.




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