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'Há chance de a GM sair de São Caetano'

Aparecido Inácio da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano

Yara Ferraz
04/02/2019 | 07:26
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Jonatas Toledo/Divulgação


Aparecido Inácio da Silva, 66 anos, conhecido como o Cidão do Sindicato, é um dos personagens importantes no centro das negociações com a GM (General Motors). A montadora norte-americana condiciona os investimentos futuros na planta de São Caetano à flexibilização de direitos trabalhistas e à liberação de incentivos fiscais. Para Cidão, é necessário respeitar o acordo em vigência, assinado pela montadora e trabalhadores em 2017. Porém, ele alerta que não se pode duvidar da saída da companhia de São Caetano, pelo perfil empresarial, pelo apetite de outros municípios e Estados em ter empresa desse porte e por falta de investimentos em infraestrutura. 

Como o senhor ingressou no movimento sindical da região?

Comecei a fazer o colégio técnico, em 1975, e tinha matéria de legislação trabalhista. No mesmo período, eu trabalhava na fábrica da GM (General Motors) de São Caetano, como apontador. Comecei a ver e comparar quantas coisas erradas a GM fazia e tomei as dores do trabalhador. Por exemplo, eles cortavam DSR (Descanso Semanal Remunerado) quando o funcionário chegava atrasado, e isso já estava previsto na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que não poderia ser feito. A CLT já dispunha de muita coisa para amparar o trabalhador. Procurei o sindicato e disse que tínhamos de fazer alguma coisa. Quando teve greve em 1978, já participei como empregado da GM. Em 1984, me convidaram para fazer parte da diretoria do sindicato (em São Caetano). Disse que iria, mas que queria ajudar, não só ficar verificando quais eram os direitos, como me falaram. Eu queria brigar, lutar e fazer algo. Em 1985, já era secretário-geral e, em 1988, assumi a presidência. 

Dentro deste período, qual momento o senhor destaca como o mais marcante?

Acredito que foi a luta pela implantação do transporte coletivo na GM (década de 1990). Também teve a luta pelas 40 horas semanais e, depois, das 44 horas, que conseguimos antes da constituição. Foi um período de muita briga, luta e greve. O trabalhador perdeu muitos dias de trabalho. Na época, passávamos graxa e colocávamos a corda, além de fazer piquete para ninguém entrar. Era uma loucura. Em 1978, levei borrachada da polícia por causa da greve dos petroleiros. Paramos a GM. Também teve um fato marcante no Plano Real, porque nós mobilizamos a fábrica para termos 10% de aumento real. Só que, com aquela mudança do cruzado para o real, ficava um absurdo. Demorou para chegarmos a um denominador comum. 

Quais são os principais desafios do movimento sindical daqui para frente?

Com a estabilidade econômica, houve certa acomodação do movimento sindical. Hoje é difícil fazer greve por 1% de aumento, você tem que convencer o trabalhador de que 0,5% é grande aumento. Antes se falava em até 70%, então era atrativo. Além disso, a relação entre capital e trabalho melhorou muito. As empresas foram se aperfeiçoando e montando quadros técnicos para fazer essas discussões com o movimento sindical. O sindicato também se modernizou e as pessoas também buscaram qualificação. Eu mesmo, em 1994, fui cursar direito porque queria ser mais útil e ter conhecimento para discutir com patrões em pé de igualdade. 

Atualmente, a GM negocia com a entidade para anunciar investimentos futuros na planta de São Caetano. Tudo isso acontece em meio a declarações de executivos da montadora que sinalizaram a possibilidade de saída do Brasil. Qual é a atual situação das negociações?

Temos um acordo em vigência e, como os trabalhadores decidiram em assembleia, ele vai ser mantido. Podemos negociar, mas só após o término dele, em 2020. Estamos no aguardo de novo posicionamento da empresa. Sabemos que o mercado brasileiro é um nicho muito grande para ser alcançado, mas muitas vezes a indústria do Grande ABC é penalizada em relação às demais que se instalam em outras cidades do Estado por questão de benefícios. Além disso, o salário dos trabalhadores daqui é bem maior do que em outras regiões. Mas não pode ser por aí, não vamos nivelar por baixo. Hoje temos na GM 700 pessoas restritas (acidentadas). Como fica esse pessoal? A empresa usufruiu da força de trabalho e agora joga fora? (Na pauta proposta ao sindicato, a montadora propôs retirar a estabilidade dos funcionários lesionados e com doenças ocupacionais.)


O senhor acredita que a GM possa sair de São Caetano no futuro?

Não é de se duvidar, porque o capital não tem coração nem pátria. Eles vão ficar onde dá lucro. Não dando lucro, vão fechar sem querer saber o que vai ficar parado ou sucateado. A GM fechando aqui, se instala em qualquer outro Estado com tudo de graça. Se ela criar fábrica nova em qualquer lugar, não vai ter 700 trabalhadores sequelados. Deste total, ela paga 300 que têm postos de trabalho. O restante não trabalha porque não aguenta.

Essa situação é a mais difícil que o sindicato já enfrentou na cidade?

Passamos por situação similar em 2017 (na época, a entidade precisou aceitar série de restrições, incluindo queda de 20% no piso salarial para garantir investimentos de R$ 1,2 bilhão, que está sendo injetado na planta atualmente). Por isso não podemos mexer no que foi negociado nem abrir mão para outra negociação enquanto tiver acordo em vigência. 

Este último acordo não tinha garantia de dar vida útil de dez anos para a planta da região?

Temos essa garantia, mas apenas com os nossos modelos produzidos. Cada um começa com 50 mil unidades por ano, mas à medida que vai saturando no mercado, vai caindo (esse número). Se a gente não tiver outro investimento, vai aumentado a ociosidade e, consequentemente, o volume de demissões.<EM>

O senhor acredita que este modelo de negociação da GM com o poder público, sindicato, concessionárias e fornecedores vai ser aplicado em outras montadoras?

Não pode ser uma coisa específica. Eu parto do princípio de que nenhuma montadora tem condição de sustentabilidade a partir do momento que, quando aperta um pouco, ela pede socorro ao governo para benefícios e incentivos. Isso não existe. Elas precisam de estrutura e estabilidade para que não aconteça isso, porque é retórica. Você ensina a pescar ou dá o peixe? Tem de ensinar a pescar. Mas também não acho que a GM está levando vantagem. O governo está pagando uma dívida com as montadoras que tem milhões em ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) retidos. Com certeza, todas vão pleitear e vai gerar um efeito cascata.

Dentro da pauta com 22 itens de flexibilização de direitos da GM, havia adequação à reforma trabalhista, com pontos como a terceirização irrestrita e o trabalho intermitente. O quanto isso é prejudicial para o trabalhador?

Há itens de menos complexidade, como, por exemplo, o parcelamento das férias em três vezes. Em determinada situação, o trabalhador pode optar por isso. Mas, em longo prazo, o efeito pode ser o questionamento da finalidade das férias, que é o tempo necessário para descansar e recuperar suas energias para retornar ao trabalho. Alguém no Congresso pode falar que acabou essa finalidade. Esse que é o grande receio da gente, questionar os direitos. 

Qual a sua opinião sobre essa reforma trabalhista, aprovada em 2017 durante o governo do então presidente Michel Temer (MDB)?

A reforma veio para ficar e agora, com esse novo governo (de Jair Bolsonaro, PSL), querem regularizar um monte de coisa para complicar ainda mais a vida do trabalhador. Porque quando a lei é feita pelo poder econômico, pelo capital, e gastaram milhões e milhões para aprovar, não vão deixar quieto. Indiretamente, eles estão querendo matar os sindicatos, que têm muitos que lutam e brigam pelo trabalhador. Se não tivesse sindicato, a GM já teria empurrado tudo isso aí. Os trabalhadores não vão brigar contra o patrão nem pedir aumento. A nova legislação trabalhista acaba minando o movimento sindical, que precisa se reinventar. Muitos trabalhadores não sabem valorizar todas essas conquistas, como transporte coletivo e as 40 horas semanais (de jornada). Muitos não sabem o que custou para ter isso.

Qual a importância da GM para São Caetano?

A história de São Caetano se confunde com a da GM, que é a primeira coisa que vem à cabeça de quem fala na cidade. Além dos postos de trabalho, tem a arrecadação municipal, que cai significativamente. Só de ICMS são R$ 80 milhões ao ano. Sem esse montante, isso pode afetar nos investimentos em educação, saúde e segurança.

O Grande ABC possui seis montadoras, além de abrigar grande quantidade de empresas da cadeia automotiva. O senhor acredita que a região deve continuar com essa característica industrial ou isso pode mudar?

É um risco que corremos se não tivermos habilidade para tentar acordo que possa garantir a manutenção dessas empresas aqui. Que cidade ou Estado não quer uma montadora? Camaçari (na Bahia, que recebeu uma fábrica da Ford), que já era um polo petroquímico, se tornou uma potência. Isso aconteceu em diversas cidades que não tinham essa característica industrial. Por exemplo, na cidade, o trabalhador que é catador de laranjas, com todo respeito à profissão, vai trabalhar em uma montadora. Vira outra situação porque o padrão de vida melhora, assim como as condições de trabalho. Então, esse é o grande erro do movimento sindical, não ter acordado para essa realidade. 

O senhor diria, então, que o poder público e os sindicatos precisam se reunir para evitar isso?

Pode ser tarde. É questão de equalizar, já que há outras cidades brigando por essas empresas. Precisa de discussão e investimento grande na malha viária. Isso dificulta a manutenção das empresas no Grande ABC, porque ela luta contra a competitividade, que envolve desova e recebimento de mercadoria. As empresas são competitivas. Inclusive hoje, muitas delas mantêm os fornecedores dentro do mesmo complexo. Toda essa operação precisa ser facilitada e os entes envolvidos têm papel nessa discussão. 

A economia sinaliza que deve melhorar neste ano. Isso deve impactar na produção de automóveis? Como o senhor vê o futuro da indústria automobilística?

O mercado ainda precisa de uma guinada boa. Hoje temos produção igual à de 2004 e 2005, mas ainda não chegamos ao nível de 2010, por exemplo. O perfil do consumidor está mudando, mas o carro ainda é um objeto de desejo. Acredito que isso vai mudar nos próximos anos, por conta do custo. Por que ter um bem se você pode usufruir o mesmo sem pagar um grande valor, como acontece com os aplicativos? Logo as montadoras podem começar a migrar para outros setores, como o carro elétrico e pesados, como trens, por exemplo. 




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