Setecidades Titulo Educação básica
Baixo salário obriga professor a realizar dupla jornada na região

Municípios pagam de R$ 2.445 a R$ 4.049 por 40 horas de trabalho; especialistas criticam cenário

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
21/01/2019 | 07:00
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Arquivo/Agência Brasil


Três das sete cidades do Grande ABC pagam valores iguais ou superiores ao piso nacional do magistério aos seus professores de educação básica. Reajustada em 1º de janeiro, a referência no País para carga horária de 40 horas semanais é R$ 2.557,74. Apesar de os valores estarem adequados à lei, especialistas e docentes avaliam que os salários são baixos para contemplar as necessidades pessoais e de capacitação. O cenário obriga os profissionais a recorrerem à dupla jornada, às vezes até mesmo em diferentes redes, a fim de compor seus rendimentos.

O coordenador do Observatório de Educação da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Paulo Garcia, relatou que a desvalorização dos salários dos professores é um problema nacional que vem se agravando desde 1970. Garcia afirmou que os baixos salários contribuem para a precarização do trabalho dos docentes. “Em 2009, estudo da USCS identificou professores de ciências que trabalhavam em até cinco escolas”, exemplificou.

O especialista frisou ainda que o exercício da profissão exige constante capacitação e atualização, no entanto, em busca de complementação de renda, docentes assumem maior quantidade de aulas e, com isso, sacrificam o tempo que teriam para a formação. “O fato de atuar em várias escolas não permite que o professor crie vínculos com a comunidade escolar. O engajamento será menor. A escola, por si só, é um ambiente de formação. Menos horas neste local, menos formação para o profissional”, pontuou.

Professora da UFABC (Universidade Federal do ABC) e pesquisadora da temática de trabalho e adoecimento, Luci Praun ressaltou que, por ser profissão que exige nível superior, os rendimentos dos professores são defasados. “Para complementar os salários, são acumuladas aulas, às vezes outras atividades profissionais. Redes com categorias que diferenciam os vencimentos e os direitos entre os professores. Tudo isso contribui para o que chamamos de ‘precariedade subjetiva’, quando as dificuldades acabam esvaziando o significado de ser docente, que é a relação aluno/professor”, afirmou.

NA REGIÃO

Entre as sete cidades, o piso mais alto para jornada de 40 horas semanais é o de Santo André: R$ 4.049,46. O valor da hora aula no município é de R$ 20,25 para profissionais com licenciatura plena e o Estatuto do Magistério fixa a jornada de trabalho de 20 a 40 horas semanais. A administração destacou que mantém plano de carreira para docentes que comprovem formação em cursos de pós-graduação lato e stricto sensu. Para professores com doutorado, o vencimento mensal pode chegar a R$ 8.300. 

Em São Bernardo, a jornada de 40 horas por semana tem remuneração de R$ 3.938,33. Já em Diadema, o período de trabalho é de 31 horas, e a remuneração para professores formados em pedagogia é de R$ 3.424,75. Dos 1.748 profissionais da rede, cerca de 98% têm formação em nível superior. 

Ribeirão Pires ainda pratica o piso de 2018, de R$ 2.445 para 40 horas semanais. A administração municipal informou que realiza estudo de impacto orçamentário para aplicar a equiparação do salário dos professores ao novo piso nacional, estabelecido no início de 2019. 

Na rede estadual, a jornada de 40 horas para professores de educação básica é de R$ 2.585,01. São Caetano, Mauá e Rio Grande da Serra não informaram os dados. 

Garcia afirmou que não é raro haver migração de profissionais entre uma rede e outra, por conta das diferenças salariais na região. “Em 2016, foi aprovado por meio do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC o Plano Regional de Educação e havia a ideia de discussão para alinhar isso. No entanto, não houve avanço”, declarou.

Questionado, o Consórcio informou que o GT (Grupo de Trabalho) Educação tem como principais atribuições a criação de estratégias para garantir a qualidade da educação. “Discussões sobre o piso salarial depende de articulação com outros GTs e também de conversas entre os municípios filiados à entidade”, afirmou em nota.

Docentes destacam falta de tempo para formação e preparação de aulas

Difícil encontrar um professor do Grande ABC que dê aula em apenas uma escola. Com salários que têm por base o número de aulas, os docentes acabam atuando em diferentes escolas e redes para compor os rendimentos. Professora de inglês na rede estadual de Santo André e na rede municipal de São Paulo, Rozélia Duarte, 40 anos, ainda não consegue cursar mestrado, mesmo com os dois cargos. “O tempo para preparação das aulas também é escasso, ainda que tenhamos horas para isso, nunca é o bastante”, afirmou. 

Docente de geografia também na rede estadual de Santo André e na municipal de São Paulo, Claudio Santana, 47, acumula 47 horas/aula por semana. “Deveríamos ter salário legal para termos um único cargo e metade do tempo da jornada fora da sala de aula para prepararmos melhor às aulas e elaborarmos projetos em conjunto com os demais professores”, considerou.

Professora na rede municipal de Diadema, Zildete Silva, 41, faz jornada de 30 horas semanais, mas, ocasionalmente, chega a dobrar o número de horas/aula. “Todos queremos nos manter capacitados, mas muitas vezes, nas férias, optamos por não viajar para fazer um curso. Essa formação não serve apenas para aumentar salário, impacta na qualidade do nosso trabalho”, concluiu.




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