Se você gosta de livros de ação, com muita correria, bruxas e duendes povoando as páginas, gênero O Senhor dos Anéis, ou prefere textos libido-masturbatórios, como Vox e Fermata, de Nicholson Baker, esqueça. Você não encontrará nada parecido nos livros de Anne Tyler.
Mas se você gosta de um romance que lembra aquele almoço de domingo, quando a gente se reúne com a família, para jogar conversa fora, sentir-se em paz e (na medida do possível) feliz pelo convívio e a intimidade, seja bem-vindo às páginas de Anne Tyler.
Os romances dessa autora, nascida em 1941 em Minneapolis (Minnesota) e que viveu a maior parte de sua vida em Baltimore, têm a família como personagem principal. São as pequenas idiossincrasias dos filhos, dos avós e dos casais, que povoam as páginas de obras como Jantar no Restaurante da Saudade, O Jogo da Vida e o mais recente Quando Éramos Adultos.
A obra mais popular de Anne Tyler, O Turista Acidental, venceu o prêmio da crítica norte-americana em 1986 e ganhou uma versão para o cinema, em 1988, estrelado por William Hurt, Kathleen Turner e Geena Davis.
Nesse seu último livro, a autora fala sobre uma mulher de 53 anos que se olha no espelho e tem a sensação de estar diante de outra pessoa, como se tivesse vivido uma outra vida. Rebecca, a personagem principal de Quando Éramos Adultos, é viúva, largou a universidade, o namorado da infância e adolescência para se casar com um homem mais velho, divorciado, com quatro filhas pequenas.
Depois de alguns anos de casamento, o marido morre e Rebecca herda um bufê decadente, as filhas dele e – por tabela – um tio ancião. Ela consegue manter o bufê em atividade. Educa as meninas, que se casam e têm filhos.
Aos 53 anos, sentindo-se gorda e atropelada por uma família caótica, tem sua primeira crise existencial. Começa a imaginar de que maneira sua vida seria diferente se tivesse prosseguido seu curso de História na Faculdade e se casado com o namoradinho da infância, sem toda aquela gente em volta que ela mal reconhece como seus parentes.
Rebecca cria coragem e liga para o ex-namorado. Ele está divorciado, dirige um departamento universitário e enfrenta igualmente uma crise pessoal, tentando superar uma separação recente. É a chance de Rebecca voltar no tempo e tentar tudo outra vez. Viver a vida que seria a sua.
O enredo é simples, os personagens são tão verossímeis que a gente tem a impressão de poder esticar a mão e tocá-los. Essa é a principal qualidade da autora. Ela fala do nosso dia-a-dia, das pessoas comuns, desde o jardineiro perfeccionista ao mecânico enganado pela mulher. Não faltam a adolescente rebelde com uma argola no nariz, o menino introspectivo, a tia que liga em uma hora imprópria.
Outra característica dos romances de Anne Tyler é o cenário. A maioria de suas histórias se passa em Baltimore, com suas fábricas, o cheiro de combustível, os subúrbios em decadência e as ruas molhadas da chuva.
É difícil destacar qual é o melhor livro de Anne Tyler. Ela talvez tenha falhado em Jantar no Restaurante da Saudade (1982) e ficado aquém de suas possibilidades em A Passagem de Morgan (1980).
O fato é que ela acerta muito mais do que erra. O Jogo da Vida (1998) é um desses romances que a gente lê em uma tarde. Como não simpatizar com o ex-delinqüente juvenil Barbaby Gaitlin, que tem uma empresa especializada em ajudar pessoas idosas? Ou como esquecer o casal de Lição de Vida (1988), romance vencedor do Prêmio Pulitzer.
O livro mais tocante e cinematográfico de Anne Tyler é O Turista Acidental, que narra a história de um escritor especializado em livros de viagem, que odeia viajar. Ele e a mulher perderam um filho, vítima da violência urbana e tentam recolher os cacos de suas vidas. Entre uma viagem e outra, o escritor vai conhecer uma adestradora de cães e vamos mergulhar mais uma vez em Baltimore, nos dias chuvosos e ficaremos diante de mais um personagem tyleriano, vivendo uma encruzilhada decisiva em sua vida.
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