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As ecléticas beterrabas
Sílvio Lancellotti
Especial para o Diário
06/01/2007 | 18:06
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Asseguram inúmeros livros de história, ao menos os mais óbvios e superficiais: bem antes dos navegadores europeus descobrirem a cana no Oriente, no século XVI, os cozinheiros do Velho Continente adoçavam seus alimentos com o açúcar das beterrabas. Equívoco monumental. Na verdade, utilizavam mel de abelhas. Embora plantadas da Suécia à Hungria provavelmente desde 6000 ou 5000 a.C. – a ciência não descobriu a data aproximada –, foi apenas em 1747 que Andreas Sigismund Marggraf (1709-1782), químico alemão, constatou tal possibilidade nos tubérculos.

Em 1810, Napoleão Bonaparte (1769-1821) teve seu acesso aos mares bloqueado por seus inimigos britânicos. Impedido de importar a cana e de obter o açúcar que tanto o fascinava, ainda que agravasse as dores de uma rude ulceração digestiva, o imperador francês estimulou o financista Benjamin Delessert (1773-1847) a construir, com Franz Karl Achard (1753-1821), discípulo de Marggraf, uma usina de refino pertinho de Paris. Para realizar o seu sonho, Napoleão autorizou que se plantassem 70 mil acres de beterrabas na França.

Posteriormente, empolgado pela rara qualidade dos tubérculos, um alemão, Moritz von Koppy, introduziu as beterrabas na sua pátria e nas plagas vizinhas. Melhor, capaz de técnicas incríveis de semeadura e de cruzamento, o tedesco obteve uma variedade albina com o mesmo teor de açúcar mas sem necessidade de ulterior branqueamento. Em 1880, o Velho Continente basicamente consumia o açúcar obtido com os tubérculos. Só à época da Primeira Guerra (1914-1918), com a destruição de campos de cultivo, os europeus recorreram, de novo, ao açúcar da cana.

Tubérculos e folhas - Das beterrabas não se aproveitam apenas os tubérculos. São formidáveis em saladas os seus talos e as suas folhas – pena que, dificilmente, sejam encontrados em supermercados; eventualmente, se acham só por encomenda e em raras feiras-livres.

No Brasil, introduzidas pelos portugueses, todas da espécie Beta vulgaris, basicamente existem quatro tipos de beterrabas: a redonda chata, mais comum, que se sobressai pelo seu tom vermelho-arroxeado; a vitória, de vermelho mais vivo, que pode ser facilmente desenvolvida em qualquer jardim caseiro (pode-se comprar sementes em lojas de artigos agrícolas); a amarela suave, mais alongada e tenra, embora tendente a se desmanchar na panela; e a dracena, mais rústica, basicamente destinada aos adornos.

Medicina - Ricas em vitaminas A e C, em ferro e em nitratos diversos, as beterrabas só ostentam uma contra-indicação: não devem ser servidas aos bebês com menos de seis meses de idade. Na medicina, consta que funcionam como laxantes e que aplacam as febres altas. Sem saberem que elas dispõem de fartos teores de boro, elemento químico que, na teoria, vitaliza os hormônios do homem, os romanos também as recomendavam como afrodisíacas.

Em anos recentes, transformaram-se em polêmica quando Manto Tshabalala-Msimang, o ministro da Saúde da África do Sul, apelidado de “Dr. Beterrabas”, apresentou-as como um impecável medicamento natural na cura da aids.

Receitas

Salada da Vivian

Ingredientes, para uma pessoa: 150 g de beterrabas cozidas com cascas em água acidulada com vinagre; azeite de olivas; 2 ramos de alecrim, inteiros, bem frescos; sal; pimenta-do-reino moída no momento.

Modo de fazer: Descascar as beterrabas. Cortar em quartos. Colocar sobre uma folha de papel aluminizado. Banhar com bastante azeite e com folhinhas de um dos ramos de alecrim. Embrulhar o pacote de papel sem pressionar as beterrabas – é fundamental que sobre algum espaço para o conteúdo respirar. Levar ao forno médio, pré-aquecido, por dez minutos. Retirar. Eliminar o papel. Colocar os pedaços de beterraba no prato que irá à mesa. Temperar, levemente, com o sal – e, a gosto, com a pimenta-do-reino. Banhar com um fio generoso de azeite. Enfeitar com o outro ramo de alecrim. Vale fria ou quente.

Curiosidades

Xixi roxo

Quando eu era um menininho, nos princípios da década de 1960, minha mãe, dona Helena, me compelia a comer beterrabas porque, depois, eu faria pipi arroxeado – expectativa impactante para um garoto. Jamais consegui, embora eu adore beterrabas. Há uma explicação: depende da pessoa.

Tais tubérculos contêm, de fato, colorantes naturalíssimos, como os chamados de antocianinas e seus correlatos, as betacianinas e as betaxantinas, que a ciência congrega no grupo das betalinas. Apenas existem pessoas que não têm como, digamos, romper as cadeias moleculares de tais substâncias – que ao serem quebradas, podem levar sua cor à bexiga e aos intestinos. Talvez, azarado, eu as mantenho intactas. Por isso nunca atestei a lenda.



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