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Cresce número de pacientes com 'medo de violência'
James Capelli
Especial para o Diário do Grande ABC
25/12/2000 | 19:50
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Medo e insegurança sao sentimentos difíceis de ser superados por quem já foi vítima de assalto e viveu uma situaçao de risco de vida. Esse é um problema cada vez mais constante entre os moradores do Grande ABC, onde crescem os índices de violência e criminalidade. O médico psiquiatra Eliomar Rosa, que atua há mais de 30 anos na regiao, revela que, nos últimos sete anos, aumentou em 90% o número de pacientes que procuram seu consultório com distúrbios provocados pelo medo da violência. Ele explica que a sensaçao de insegurança que normalmente sucede o trauma do assalto pode até desencadear um quadro de depressao, além de uma série de alteraçoes bioquímicas que precisam ser tratadas com medicamentos.

A psicóloga Lia Aparecida de Souza, que trabalha há mais de 15 anos em Sao Bernardo, nos últimos cinco anos tem tratado de pessoas que desenvolveram síndrome de pânico depois de ser assaltadas. "Os pacientes sentem uma insegurança extrema e um medo descontrolado. Qualquer pessoa desconhecida que se aproxima é vista como uma ameaça. Alguns pacientes deixam de sair de casa quando anoitece." Ela ressalta a importância do tratamento psiquiátrico antes da terapia com o psicólogo.

Para quem já foi assaltado, pode faltar coragem até para passear. "Antes eu saía com o pessoal da escola onde trabalho para tomar um chope. Agora nao tenho mais coragem." É o que conta Rosana Calazans Russi, 42 anos, moradora de Sao Bernardo. Em abril, Rosana foi assaltada perto de sua casa, de manha. Estava indo trabalhar. Um garoto pequeno, aparentando 5 anos, pulou na frente do seu carro e caiu no chao. Rosana parou. Abriu o vidro para ver o que havia acontecido. Era tudo encenaçao. Ela foi surpreendida por um rapaz armado com estilete, que anunciou o assalto. "Ele disse que queria de R$ 50 para cima, senao me mataria." Como Rosana só tinha R$ 30 na carteira, ficou apavorada e acelerou o carro. O rapaz cortou sua mao, seu rosto e muito cabelo. "Levei cinco pontos na mao e agora uso cabelo curtinho. A cicatriz no rosto é imperceptível." O pior é o trauma. Rosana nao passa mais pela rua onde foi assaltada. Prefere dar uma volta enorme para sair de casa ou para voltar.

Luis Carlos de Araújo Lima, professor de Psicologia Institucional e Social da Uniban (Universidade Bandeirantes), em Sao Bernardo, explica que as pessoas que passam pela experiência de perder o controle sobre a própria vida sentem-se desamparadas e recorrem a rituais como o de Rosana, que evita a rua do assalto. "É uma forma de tocar a vida em frente, uma estratégia para nao entrar em pânico", disse.

Doralice da Silva, cabeleireira, 42 anos, de Sao Bernardo, teve dois carros levados em assalto e passou por uma experiência terrível para qualquer mae: falava pelo telefone com a filha de 11 anos, que estava na praia, quando a menina disse que chegaram assaltantes. "Minha filha tinha viajado com os avós, e eu fiquei trabalhando. Ouvi todo o assalto. Foi um horror", relembra Doralice. Nas outras ocasioes, quando roubaram os carros, a filha também estava junto. As duas ficaram traumatizadas. A garota, quando entra no carro, tranca as portas e fecha os vidros. A mae criou uma série de rituais para sair do trabalho, parar em faróis, chegar em casa e até para passear. Agora, Doralice sai pouco, só quando está acompanhada. Procura saber se há estacionamento perto dos lugares onde vai e prefere quando há manobristas.

O psiquiatra Eliomar explica que só o medo de ser assaltada novamente pode desencadear na pessoa o mesmo desequilíbrio químico do trauma. Causando mal-estar, taquicardia, transpiraçao excessiva e vários outros sintomas. Além da experiência profissional, o médico tem experiências pessoais. Já foi assaltado várias vezes e perdeu uma filha, assassinada por assaltantes que tentavam roubar-lhe o carro. Ele conta: "Quando chego em casa, enquanto espero a garagem abrir, fico atento para nao ser surpreendido por algum assaltante. As vezes, essa preocupaçao faz com que eu lembre da minha filha e de tudo que senti com a sua perda." O médico alerta que esses sentimentos precisam ser controlados, pois, sem tratamento, podem limitar o convívio social de uma pessoa. "Ela pode ficar com tanto medo das sensaçoes e lembranças ruins que nao quer mais sair de casa."

Em Santo André, também há histórias de medo da violência. Mônica Gennari, mulher de um dos proprietários da Padaria Brasileira, já foi assaltada quatro vezes na rua Catequese, perto da escola dos filhos. Em uma delas, um filho ficou como refém, no banco de trás do carro, com um estilete no pescoço. Ela diz que ficou "neurótica" - é o termo que usa. Nao gosta mais de sair à noite, tem medo quando tira o carro da garagem e nao se sente segura em lugar nenhum. "É raro o dia em que esqueço o medo e dou uma volta a pé, com meus filhos. Parece mentira que, na minha infância, as crianças brincavam na rua."

Sobram histórias como essas na regiao. Cada roda de amigos tem seus personagens e seus dramas. O resultado é esse medo constante que atinge também quem convive com as vítimas da violência. Rosana conta que seu marido liga várias vezes por dia para casa, para ver se está tudo bem. Se o telefone passa muito tempo ocupado ou se demoram para atender, ele larga tudo e vai ver se há problemas. Como é professor, já perdeu várias aulas porque a filha, adolescente, estava com o namorado ao telefone.




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