Internacional Titulo
Uma década de democracia que mudou a história do Chile
José Antonio Pedriali
De Santiago, Especial para o Diário
26/12/1999 | 18:54
Compartilhar notícia


Os dez anos de democracia no Chile mudaram radicalmente - e para melhor - o cotidiano no país. O medo já nao está mais estampado na fisionomia das pessoas. Durante o regime militar, o medo atingia a todos, indistintamente. Os adeptos do general Augusto Pinochet temiam ser vítimas, como muitos foram - entre eles o líder da direita Jaime Guzmán - das organizaçoes terroristas de esquerda. Dez anos depois, nao se temem atentados políticos - estes fazem parte de um passado que os chilenos preferem esquecer.

O presente é atormentado por outros fantasmas. O desemprego, praga moderna que se considerava extinta após uma década e meia de crescimento ininterrupto da economia, voltou a assustar. O índice atual de desemprego é de 11%, quando, até a crise asiática de 1997, esbarrava nos 5%. O crescimento econômico este ano será zero.

Para o sociólogo Eugenio Tironi, o que caracteriza a década de 90 no Chile é a "irrupçao das massas", tese central de seu recente livro homônimo. Segundo ele, jamais o país experimentou tal ritmo de crescimento econômico, o que, apesar das distorçoes na distribuiçao de renda, abriu as portas do consumo para as "multidoes". Nunca se consumiu tanto quanto hoje.

A sede de consumo mudou nao apenas os hábitos - teve uma influência arrasadora sobre o pensamento coletivo. O arraigado pessimismo chileno, tema freqüente para historiadores e sociólogos, foi substituído por uma onda coletiva de otimismo, e isto se reflete na expansao das indústrias chilenas pelo resto do continente - os chilenos têm US$ 6 bilhoes investidos no Brasil - e numa nova visao política. Até o golpe de 1973, quando o socialista Salvador Allende foi substituído pelo general Pinochet, o eleitorado se dividia em "três terços". Isto é, a direita era senhora absoluta de 33% dos eleitores, o centro, marcadamente dominado pela Democracia Crista, outro tanto e a esquerda, pulverizada entre Partido Comunista e as várias facçoes socialistas, o restante. O plebiscito de 1988 dividiu o país entre os partidários de Pinochet e os adeptos da oposiçao.

No fim dos anos 90, e o primeiro turno das eleiçoes presidenciais, realizado no início do mês, o comprova, o Chile deixou definitivamente para trás as ideologias que tanto convulsionaram a sua história. O que os chilenos querem hoje é a soluçao, o mais rapidamente possível, de seus problemas cotidianos e nao mais a predominância deste ou daquele grupo político que, a longo prazo, venha a moldar a naçao à sua imagem e semelhança.

Nesta década, observa Tironi, "o interesse pela política caiu progressivamente". Nesse contexto, acrescenta, o Estado "nao ocupa o centro do cenário" e "nao há um conflito aberto nem dramático em relaçao à ordem desejada". Segundo o sociólogo, "o espírito dos anos 90 se caracterizou por uma clara propensao ao consenso ou, se se prefere, por uma espécie de intolerância para o conflito". Conflito? É o que os chilenos menos desejam neste fim de século, que teve um personagem preponderante no cenário político: o general Pinochet. Sua prisao em Londres, que completou um ano em outubro, foi para todos, sobretudo para a direita, um alívio. Pinochet, na expressao de Tironi, é um dos "fantasmas" do passado que todos querem esquecer. "O que marcou a década", afirma o sociólogo, "foi uma disposiçao para a fuga".




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;