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Para Rivellino, Ronaldinho é uma incógnita
Nelson Cilo
Especial para o Diário
11/05/2002 | 19:58
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Ao analisar as chances do futebol brasileiro na Copa do Mundo, Roberto Rivellino, 56 anos, acredita que a equipe de Luiz Felipe Scolari pode até chegar lá. Mas, em tom bastante crítico, o Reizinho do Parque lança um alerta para os riscos de um tropeço histórico. Segundo ele, o treinador paga o preço da bagunça protagonizada pelos cartolas nos bastidores. “A bomba estoura na cabeça dele”, afirmou o tricampeão mundial no México, em 1970, em entrevista ao Diário.

O ex-craque do Corinthians, Fluminense e El Helal (Arábia Saudita) – e atual comentarista da Sportv – disse que a eventual conquista do título também dependeria do desempenho de Ronaldinho e Rivaldo. Lembra que o primeiro é uma incógnita. E que o segundo, contundido no joelho, ainda não se livrou das garras dos médicos. Rivellino coloca em dúvida se ambos terão mesmo condições físicas e clínicas de suportar o ritmo intenso e pesado de uma Copa.

Rivellino também põe em xeque o esquema de Scolari, principalmente no meio-campo e no lado esquerdo. De um modo geral, porém, ele não contesta a “família Felipão”, mas incluiria na lista os nomes do armador Zé Roberto (Leverkusen) e do lateral Serginho (Milan). “Eles dariam mais velocidade ao setor esquerdo e corrigiriam uma das deficiências táticas da seleção”, afirmou.

Rivellino disse que o time de Scolari pode até superar algumas dificuldades, mas não esconde alguma incerteza quanto ao suposto favoritismo dos tetracampeões. Às vésperas da Copa, o que mais o intriga é a falta de comando e de liderança na CBF. Ainda sugere uma ampla reformulação no falido modelo que aí está. “É preciso moralizar tudo”, disse Rivellino, que não manda recados nem reprime o tiroteio.

Ao contrário: toca direto na ferida e remexe na poeira da corrupção que destruiu os bons tempos do romantismo de Garrincha, Pelé, Gerson, Tostão, Jairzinho... E dele, Rivellino, é claro, que nunca ligou para a grafia errada de apenas um ‘l’ em seu nome. Leia a entrevista exclusiva concedida ao Diário.

DIÁRIO – Você apostaria no favoritismo do Brasil na Copa do Mundo na Ásia?
RIVELLINO – É o seguinte: a seleção vai depender – e muito – de alguns talentos que não estão em boas condições. A gente ainda não sabe se o Ronaldinho vai agüentar o tranco. Me refiro ao Fenômeno, é claro. Em circunstâncias normais, é um cara que decide. Desequilibra lá na frente.

DIÁRIO – Você não o convocaria para o Mundial?
RIVELLINO – Não é isso. É lógico que eu o levaria. De repente, vai que ele suporta o ritmo da Copa... Só que não se pode prever nada. O Ronaldinho é uma incógnita. Se ele confirmar que está mesmo recuperado, aí é outra coisa. É um artilheiro fora-de-série, que incomoda os adversários. Vamos torcer para que ele não se machuque de novo. O esquema ofensivo do Felipão não seria igual sem ele.

DIÁRIO – E quanto aos demais jogadores da lista definitiva de Scolari?
RIVELLINO – Como falei, temos problemas no ataque. Vou usar o Ronaldinho como referência. Se o Rivaldo também não ficar legal do joelho, nossas dificuldades vão aumentar. Se bem que, ao contrário do que ocorre no Barcelona, esse rapaz não se acerta na seleção. Acho que é o posicionamento errado. Mas não se discute o nível dele. Só não deve entrar arrebentado em campo.

DIÁRIO – Ronaldinho, Rivaldo... Quem mais?
RIVELLINO – O Luizão, que até agora não reencontrou a forma física dos tempos de Corinthians. É o tipo do centroavante que me agrada. É claro que ele precisa recuperar a boa fase. Mas não sei se vai conseguir isso em pouco tempo. A Copa do Mundo é um torneio muito curto. É aquela coisa: você não pode atropelar o tempo. Às vezes, é necessário correr contra o relógio, mas nem sempre é possível, não é?

DIÁRIO – Enfim, você leva ou não fé no Brasil?
RIVELLINO – Se o Ronaldinho, o Rivaldo e o Luizão estiverem na ponta dos cascos, temos tudo para encarar os mais fortes adversários e brigar pelo título. Mas, se você me perguntar se podemos chegar lá, eu respondo que sim. Mas não arrisco. Não tenho certeza. Sinceramente, a seleção ainda não me convenceu. Tento passar otimismo, mas sabe como é... Os cartolas não ajudam em nada. Muito pelo contrário: atrapalham muito. Só complicam.

DIÁRIO – Quais os defeitos que você apontaria?
RIVELLINO – Taticamente, estamos capengas no lado esquerdo. O Rivaldo nunca se define. O Denílson só dispara. É aquela correria sem rumo. Não temos um homem de ligação no setor. Falta alguém que coordene, que comande, que carregue o piano. O Djalminha seria o ideal, mas o rapaz cometeu aquela besteira no La Coruña (agrediu o técnico Javier Irureta). Eu chamaria aquele menino do Leverkusen, o Zé Roberto. O Serginho (Milan) também daria um jeito por ali...

DIÁRIO – Você não parece otimista quanto às possibilidades do Brasil...
RIVELLINO – Sabe o que acontece? A seleção retrata essa bagunça dos bastidores. Não temos um comando nem uma liderança confiável na CBF. É CPI que não acaba mais. São denúncias de corrupção para todos os lados. Isso reflete diretamente no campo de jogo. No fim, sobra para o Felipão, que não consegue trabalhar direito. A bomba estoura na cabeça dele. Isso cansou os torcedores, que já não comparecem mais aos estádios como antigamente. As rendas despencaram nas bilheterias.

DIÁRIO – Não temos nem mesmo um calendário racional que arrume a casa...
RIVELLINO – É isso. Se eu esquecesse a seleção – e fosse falar dos clubes – lembraria que o Campeonato Carioca é um retrato do caos que se instalou no futebol brasileiro. Os times do Rio estão uma m... Como é que o Flamengo, que tem uma longa história, pode viver uma situação dessas? Há raras exceções de clubes bem administrados. Eu citaria pouquíssimos. São Paulo, Atlético Paranaense, Cruzeiro, sei lá...

DIÁRIO – Qual é a saída?
RIVELLINO – Seria necessário consertar tantas coisas neste país. Mas, ao me referir apenas ao futebol, diria que é preciso moralizar tudo.

DIÁRIO – No caso da seleção, você acha que Scolari dividiria os poderes?
RIVELLINO – Mas como? Dividir em que sentido?

DIÁRIO – A CBF indicaria uma comissão de gente confiável para dividir as responsabilidades. De ex-jogadores como você, Falcão, Zico, Júnior... Os trabalhos não ficariam tão centralizados...
RIVELLINO – Ah, não. Isso não pega. Nossa cultura esportiva não permite. O Ricardo Teixeira (presidente da CBF) vai lá e fala: Felipão, aqui está o fulano para te auxiliar. Ele responde: eu prefiro o Paulo Paixão. De repente, eu, Rivellino, sou o técnico. Aí o Teixeira me traz o Sócrates. Reajo: este eu não quero. O João me interessa muito mais. É assim que funciona...




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