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'Milagre de Juazeiro' abre festival de cinema do Ceará
Do Diário do Grande ABC
14/06/1999 | 15:39
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Com a exibiçao na noite desta terça-feira de Solas, do espanhol Benito Zambrano, o 9º Cine Ceará dá prosseguimento à sua mostra competitiva de novos talentos, na duraçao longa-metragem. O filme espanhol fora cogitado para participar do Festival de Gramado, que se realiza em agosto, mas a mostra cearense antecipou-se e ganhou a prioridade.

O festival de Fortaleza foi aberto com um produto doméstico, "Milagre em Juazeiro", de Wolney Oliveira, já destinado a causar polêmica. Nao é para menos. O filme trata da vida daquele que é, ainda hoje, o maior mito religioso do Nordeste, o padre Cícero Romao Batista.

Wolney disse que levou mais de seis anos para completar o filme, um docudrama que utiliza material de arquivo, somado ao trabalho com atores, para reconstituir a mitológica trajetória do padre. O cineasta esteve "in loco", conversou com romeiros, membros da Igreja, psicólogos, parapsicólogos, devotos e incréus.

Escalou o ator José Dumont para representar padre Cícero e a atriz Marta Aurélia no papel da beata Maria Araújo, protagonista do suposto milagre que acabou fazendo a fama do sacerdote. "No total tenho 17 horas de material, mais do que suficiente para uma futura minissérie", diz o cineasta. Em sua versao enxuta, destinada à tela, "Milagre em Juazeiro" tem 83 minutos. Mas o diretor ainda pensa em mexer no filme, enxugar algumas partes e chegar a uma minutagem ainda menor. O longa foi feito em bitola super-16 milímetros e ampliado para 35 milímetros.

No filme, Wolney segue a trajetória de Cícero desde 1889. Conta-se, no Nordeste, que neste ano aconteceu o tal milagre em Juazeiro. A hóstia se teria transformado em sangue quando uma das beatas tomava a comunhao pelas maos do padre Cícero. Correu a história de que o sangue seria o de Jesus Cristo. A beata e o padre passaram a ser idolatrados pelo povo simples. Mas a Igreja oficial nao embarcou na versao e mandou uma comissao eclesiástica a Juazeiro para investigar o caso.

Como costuma ocorrer nesse tipo de caso, o processo religioso transformou-se em julgamento político. A Igreja acha que a manifestaçao do divino, sob a forma de milagres, é interessante para fortalecer a fé. Mas também gosta de manter esse tipo de acontecimento sob controle.

Intuía, com razao, que a fama de santo poderia conferir perigoso poder a Cícero, o que de fato acabou ocorrendo. No filme de Wolney, essa dimensao da política de bastidores está bem contemplada na parte de ficçao. Na parte documental, vê-se como Cícero continua fascinando o imaginário religioso do povo simples até hoje. Sao impressionantes as cenas de romarias famosas, com a de Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora das Dores e a de Finados.

Polêmica - Cícero morreu em 1934, mas é até hoje motivo de polêmica. Há quem o considere reacionário típico, uma espécie de coronel de batina. Existe quem o veja como homem sinceramente empenhado em fazer o bem, ainda que à maneira paternalista do sertao. De qualquer forma, sua ascensao foi muito rápida depois da ocorrência do suposto milagre.Vindo do Crato, a 13 quilômetros de Juazeiro, Cícero era sacerdote obscuro até a transformaçao da hóstia em sangue. A partir de entao começou a acorrer a Juazeiro uma legiao brancaleônica de desassistidos.

Vinha gente de todo o Nordeste, doentes, cegos, leprosos levas de pessoas fugidas da seca, pedintes, oportunistas, que se juntavam a cantadores e fabricantes de ícones religiosos.

A indústria da fé logo encontrou em Juazeiro terreno fértil para expansao. Numa das cenas mais bonitas do filme, padre Cícero pede a um fabricante de candeias que nao esmoreça e continue fabricando peças. O homem diz que sua casa já está cheia delas e nao encontra a quem vender. Há um corte e surge a cena documental com a multidao imensa segurando suas candeias em homenagem ao padre.

Cícero antevia o potencial econômico da devoçao. Sabia que a fé talvez nao mova montanhas, mas movimenta muito dinheiro. "Ele é uma figura complexa e nao pode ser reduzido a nenhuma de suas dimensoes", constata o cineasta. De fato, Milagre em Juazeiro é como uma reportagem imparcial: ouve os dois lados. Ou melhor, os vários lados. O espectador que tire suas conclusoes.

Um última observaçao: José Dumont faz um belo trabalho em sua caracterizaçao de Cícero. Contido, denso, introspectivo quando necessário, assemelha-se à figura física do padre Cícero real ao limite da confusao.




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