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Filme de Pedro Bial mostra a força de Guimaraes Rosa
Do Diário do Grande ABC
11/05/1999 | 15:29
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É uma tarefa assumidamente ambiciosa: em "Outras Estórias", que estréia na próxima sexta-feira, Pedro Bial adapta o cinema a Guimaraes Rosa, já que, segundo suas palavras, é impossível adaptar o escritor mineiro para o cinema. "Reduzidas à história, suas narrativas nao carecem de força, mas em Guimaraes Rosa, como nos grandes artistas, o estilo é tudo." Bial destaca, entre as adaptaçoes do escritor, a que lhe parece a melhor de todas: "A Hora e a Vez de Augusto Matraga". Mas nem no filme famoso de Roberto Santos ele identifica a força da palavra roseana. É o que coloca na tela em "Outras Estórias".

Daí um certo estranhamento que o espectador pode experimentar diante de "Outras Estórias". Sao cinco histórias adaptadas do livro "Primeiras Histórias", um projeto que começou a tomar forma na cabeça de Bial há mais de 20 anos e que ele conseguiu concretizar, agora, com algumas parcerias importantes. Duas foram fundamentais: as de Cacá Carvalho e Giulia Gam. Além de interpretar episódios do filme, os dois funcionaram como diretores de atores para Bial. O resultado é um filme exigente. Quem quiser facilidade, que fique em casa vendo novela ou o Fantástico.

Pergunta - Sua ligaçao com a literatura é forte. Você apresenta um programa de TV com entrevistas de escritores. E dá a impressao de ter lido de verdade os livros.
Pedro Bial - Leio mesmo. Faço questao de ler pelo menos um livro de cada escritor que entrevisto. Quando nao dá, você sabe como a vida da gente é corrida, faço uma leitura dinâmica, mas nunca deixo de ler. Nao conseguiria fazer as perguntas seguindo o roteiro dos outros. Minha formaçao é jornalística. Eu quero fazer as perguntas e, para isso, tenho de estar bem informado.

Pergunta - Como foi a sua aproximaçao de Guimaraes Rosa? É verdade que há 20 anos você queria filmar "Sorôco, Sua Mae, Sua Filha?"
Pedro Bial - É verdade, sim, desde o tempo da faculdade de jornalismo. Tinha 19 anos quando li "Primeiras Histórias". Já havia lido outros escritores, mas o Guimaraes Rosa foi um choque para mim, uma revelaçao. Fiz um curta de diplomaçao, queria que o Sorôco fosse o meu segundo filme, mas nao deu. O projeto perseguiu-me todo este tempo. Fui para o exterior, vivi o meu exílio e, quando voltei, um amigo, o Raul Soares, estava tentando levantar recursos para fazer o Sorôco. Como o curta é caro e de difícil comercializaçao, sugeri o documentário sobre o Guimaraes Rosa para a GNT e daí partimos para o filme.

Pergunta - O que o atrai no sertao de Guimaraes Rosa?
Pedro Bial - Ele escreveu "Grande Sertao: Veredas" no Rio, em Copacabana. Há muito tempo estava exilado de Cordisburgo, onde nasceu. Muita gente diz que nao existe sertao em Minas. O sertao de Guimaraes Rosa é metafórico. Refere-se à solidao interior do homem, aos seus espaços internos, aos seus infinitos. Eu também sou um homem urbano. Cresci no Rio, olhando para o mar, que era o meu sertao. Durante o meu tempo de correspondente em Londres, sentia-me muito ligado ao Brasil. Pensava muito no País, no que ele tem de sublime e horrível, no sentido da sua miséria moral e humana. Agora que estou aqui, confesso que tenho mais dificuldade para ver o sublime. Mas continuei sempre ligado a essa idéia do sertao metafórico. Retomo isso no filme.

Pergunta - Alcione Araújo tem um crédito de adaptaçao. Como vocês trabalharam?
Pedro Bial - Na verdade, fui eu que escolhi os contos e, depois, pedi ao Alcione que fizesse a adaptaçao. Ele fez, mas criou diálogos para o filme. Isso eu nao aceitei. Voltei à forma original, ao idioma fundado por Guimaraes Rosa. Ouso trazer a palavra roseana para o cinema. É o que me motiva no filme.

Pergunta - Como foi feita a articulaçao das histórias?
Pedro Bial - Nos casos de O Famigerado e Os Irmaos Dagobé, um entrou pelo outro. Sorôco é fundamental porque terminou dando a linha condutora. A menina louca aparece sempre nos momentos-chave e vira os acontecimentos. Com Nada e a Nossa Condiçao eu tentei, mas é um conto muito difícil , todo ambíguo. Se fosse parti-lo dificultar ainda mais para o espectador. Separei só uma parte para o prólogo.

Pergunta - Há também Substância...
Pedro Bial - Que é a história de amor do nosso filme. Um filme tem de ter história de amor. Só que, no Guimaraes Rosa, ela nunca é só isso. Nao por acaso, o conto chama-se Substância. Há de novo uma metáfora aqui, refere-se à transformaçao humana, à transformaçao da matéria. Assim como tem história de amor, o filme tem um desfecho de musical, quando volta o Sorôco. Mas é o reverso de um musical tradicional. O filme começa engraçado e termina triste, na solidao total.

Pergunta - O sertao no cinema brasileiro é sempre o campo do embate metafísico entre o bem e o mal. Tem uma dimensao mítica. Penso em Gláuber Rocha, em "Sertao das Memórias".
Pedro Bial - Nao sinto "Outras Estórias" como um filme sobre o conflito entre o bem e o mal. Sei que esse tema está no filme, como está no livro, mas os temas para mim sao muito mais a vida, a morte, a solidao, a loucura que permeia tudo e dá o sentido final.

Pergunta - Foi um filme caro?
Pedro Bial - Custou R$ 2 milhoes e o maior elogio que ouvi foi de alguém do ramo que disse que todo o dinheiro está lá dentro. Nao embolsei um centavo do que captei. Ao contrário, investi dinheiro meu, uma grana que tinha para comprar um apartamento. Nao comprei o apartamento, mas fiz o filme que quis.

Pergunta - Como você trabalhou com a Giulia Gam e o Cacá Carvalho?
Pedro Bial - Eu sabia o filme que queria fazer, mas nunca tive prática de trabalhar com atores. Nao queria, nao podia fazer um filme de interpretaçao naturalista com aquelas falas do Guimaraes Rosa. Chamei a Giulia e o Cacá e eles fizeram um trabalho fabuloso. Cacá fez uma coisa baseada no método do Grotowski. Trabalhou em cima das memórias e lembranças dos atores que escolhíamos, tanto os profissionais como os figurantes. Ele trabalhava de forma a fazer com que essas experiências pessoais fossem incorporadas ao filme e devolvidas em forma de interpretaçao. E também tivemos sorte. Quando eu procurava o cego, um cego de verdade apareceu entre os centenas de candidatos que testamos. Acho que é uma das figuras mais impressionantes do filme.

Pergunta - A Globo vai participar do lançamento com alguma mídia?
Pedro Bial - Nao quero misturar as coisas. Poderia ir ao Faustao, usando a minha imagem do Fantástico. O Fantástico tem 40 milhoes de telespectadores, digamos que 1% fosse ver o filme. Seriam 400 mil espectadores. Mas sinto que nao seria honesto. O Bial do Fantástico é diferente do de Outras Estórias. Se eu tentar puxar os espectadores para o filme pelo lado do Fantástico, acho que estarei desservindo um e outro. O público deve descobrir "Outras Estórias" pela riqueza e complexidade do universo roseano, ao qual eu tentei adaptar o cinema.




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