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Cineasta Paulo Thiago estréia na literatura
Do Diário do Grande ABC
20/06/2000 | 15:43
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A literatura foi o primeiro amor do cineasta Paulo Thiago. Um amor jamais esquecido, alimentado por um insistente e constante flerte. Seu filme mais recente, "Policarpo Quaresma, o Herói do Brasil", baseado no romance de Lima Barreto, integra uma série de adaptaçoes cinematográficas de romances brasileiros, entre eles, "Soledade", adaptaçao do romance "A Bagaceira", de José Américo de Almeida, e "Jorge, um Brasileiro", criado a partir do livro homônimo de Oswaldo França Jr.

O namoro com a literatura finalmente deu em casamento. Depois de 30 anos do lançamento de seu primeiro filme, "Os Senhores da Terra" - uma alegoria fantástica sobre o tema do coronelismo no Brasil -, Paulo Thiago estréia na literatura com o romance "Cassino de Sevilha", lançado pela Razao Cultural Editora (144 págs., R$ 23).

Estréia - Aos 23 anos, Paulo Thiago conversou com Antonio Calado sobre o desejo de escrever um livro. "Romance é arte para depois dos 40", ouviu do autor de "Quarup". Após algumas tentativas frustradas, foi obrigado a dar razao ao experiente escritor. "A poesia é a arte da juventude, mas o romance é a arte da memória, exige vivência", observa Paulo Thiago.

Alguns fios de cabelo a menos, uma ou outra ruga a mais e muitos filmes no currículo separam o aspirante a romancista do estreante Paulo Thiago. Um autor maduro, com distanciamento suficiente para fazer das memórias da infância e adolescência vividas em Aimorés (MG), sua cidade natal, matéria-prima da criaçao de "Cassino de Sevilha", romance que traça um painel de costumes de uma pequena cidade do interior do Brasil na década de 50.

Curiosamente, ao mergulhar na literatura, Paulo Thiago resgatou os mesmos temas que inquietavam o jovem interlocutor de Calado. Os coronéis e jagunços, personagens de "Os Senhores da Terra", primeiro filme do cineasta premiado com o Karlov Vary no festival da República Checa, "o sundance da época", voltam a marcar presença no romance. Mas o tom é outro.

No romance, ele muda radicalmente o estilo da narrativa e nao só por imposiçao da nova forma de arte. "O filme era uma espécie de parábola política, tinha o tom de alegoria que era o estilo da época, explorado pelo cinema novo", compara Thiago. Já o livro tem uma narrativa que remete à tradiçao brasileira da crônica. "Nao sou um memorialista; o que fiz foi recriar o universo da minha cidade usando a imaginaçao".

Mais que isso. Como nos versos da cançao, o romance mostra que, para Paulo Thiago, é chegado o "tempo da delicadeza". Por intermédio do menino Pedro, um alter ego do autor, o leitor acompanha as artimanhas da professora Alva - uma das mulheres mais bonitas e desejadas do lugar - para trazer à cidade a famosa orquestra espanhola Cassino de Sevilha. Na verdade, um estratagema da bela e decidida Alva para despistar o marido e ter uma noite de amor com o jovem Alexandre, primo de Pedro.

Recém-chegado de uma temporada em Nova Orleans, o rapaz desfila pela cidade a bordo de seu Chevrolet Bel-Air cinza prateado, despertando paixoes tanto nas moças casadoiras quanto nas mulheres malcasadas, categoria na qual Alva se enquadra. Paixoes perigosas. Se descobertas, as traiçoes eram resolvidas naquela regiao da mesma maneira que as questoes políticas - pela açao rápida e competente dos matadores de aluguel.

A repressao à sexualidade - comum na década de 50 e agravada pelo provincianismo - é uma espécie de tiro pela culatra. A exarcerbaçao dos desejos provocada pelas interdiçoes ganha tons rodriguianos em alguns personagens, como Roberto, que nutre pela irma Alva um amor intenso e nada fraternal. "Alva foi inspirada numa mulher muito branca, bonita e sensual que existiu em Aimorés", comenta Paulo Thiago. "Ela despertava o desejo dos homens e lembro de comentários maldosos entre meu tio e meu pai sobre ela".

O erotismo ganha tons suaves de aquarela quando o autor narra a descoberta da sexualidade, por exemplo, nas brincadeiras entre primos. Mesmo as esbórnias com as "meninas da zona" promovidas pelos jovens endinheirados, os filhos dos coronéis, nao passam de inocente brincadeira entre bons companheiros, quando lidas pelo poluído olhar contemporâneo.

Mas o romance está longe de reforçar o mito do brasileiro cordial. Paulo Thiago nao fechou os olhos para a violência social, cujas raízes já estavam muito bem plantadas na aparentemente pacata cidade interiorana. "Aquela cena do encontro do garoto com o pistoleiro, por exemplo, eu vivi mesmo; lembro que saí correndo para casa com o coraçao aos pulos". Todas as tramas do romance convergem para o dia da apresentaçao da orquestra, um dia que ficará marcado na memória da cidade.

Paulo Thiago escreveu o livro em oito meses no intervalo entre dois filmes. "A primeira versao foi escrita no impulso e deu muito prazer", lembra. "A reescritura - a difícil luta com as palavras - foi a parte mais sofrida". O prazer certamente superou a angústia, porque ele já pensa num próximo romance. "Gostaria de falar sobre a década de 60 e 70". Mas como bom mineiro, nao tem pressa.

No momento, está mergulhado na obra do poeta Carlos Drummond de Andrade, personagem de seus próximos trabalhos. Um documentário, "O Poeta das Sete Faces", e um filme inspirado no conto "O Caso do Vestido". A literatura - ele já constatou - sabe esperar.




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