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Cláudio Marzo vive um assassino em nova peça
Do Diário do Grande ABC
05/04/2000 | 15:15
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Na tragédia grega, os erros dos ancestrais pesavam sobre os seus descendentes na forma de maldiçao lançada pelos deuses. Embora de origem profana, também nasce com o destino traçado o personagem vivido por Cláudio Marzo na peça "Fábula de um Cozinheiro", dirigida por William Pereira, que estréia nesta quinta no Teatro Hilton.

Marzo interpreta um homem de meia-idade, chef de cozinha preso após ter envenenado um cliente do restaurante onde trabalhava. O motivo do crime, meio misterioso, uma vingança de origem ancestral, atrai a atençao da jornalista vivida por Mika Lins. A peça é composta por oito cenas curtas, oito entrevistas entre o cozinheiro e a jovem jornalista, por quem ele se apaixona.

Sutileza - A jornalista também se sente atraída por aquele homem mais velho que passou a vida perseguindo alguém a quem devia matar e, talvez, tenha matado a pessoa errada. Um encontro que vai mudar a vida de ambos. "O texto tem uma estrutura quase policial, mas tudo é muito sutil e o autor trabalha o tempo todo com ambigüidades", diz Mika.

Escrita por Sam Sheppard e Joseph Chaikin e produzida por Mika Lins, a "Fábula de um Cozinheiro" marca a volta aos palcos paulistanos do ator Cláudio Marzo, que iniciou sua carreira teatral no Oficina. Mais sortudos, os cariocas puderam apreciar as várias incursoes ao teatro do ator de talento reconhecido nacionalmente por seus trabalhos em dezenas de novelas e 14 filmes.

Entre os seus mais recentes trabalhos teatrais se destaca a sua memorável interpretaçao de Getúlio Vargas, no espetáculo "O Tiro Que Mudou a História", dirigido por Aderbal Freire-Filho e encenado no Palácio do Catete, atual Museu da República, local do suicídio do entao presidente. Se as incursoes ao palco nao sao muito freqüentes nos últimos anos, a motivaçao para que elas ocorram é sempre a mesma. "Antes de mais nada sou atraído por um bom texto", diz Marzo. "Fábula de um Cozinheiro é um poema a duas vozes", argumenta o ator. "Foi o Abujamra quem me recomendou a peça, dizendo que havia um personagem maravilhoso para mim".

Estilo - Mas foi Mika quem descobriu o texto, a partir de uma reportagem publicada no jornal "O Estado de S.Paulo" sobre a estréia da peça nos Estados Unidos. Também foi a atriz a responsável pelo convite ao diretor William Pereira, que resistiu antes de ler o texto. "Nunca fui um apaixonado pelo autor", confessa Pereira.

Mas surpreendeu-se ao deparar com uma peça que fugia ao estilo realista e árido de outros textos de Sheppard. "Talvez por ter sido criado em parceria com Chaikin, a peça tem grande força poética, sem desviar-se da realidade", diz o diretor. O motivo do crime cometido pelo homem vivido por Marzo - o autor nao deu nome aos personagens - vem de um passado muito remoto.

Alguém matou a mula do seu tataravô ou talvez o avô do tataravô, nem ele sabe ao certo. Sua única certeza é a de que nasceu com a missao de vingar esse ato no tataraneto daquele vizinho de seu ancestral. Determinado, passou a vida inteira perseguindo seu alvo. "Na verdade, nem ele, nem ninguém sabe ao certo como tudo começou", diz Mika.

A jornalista, por sua vez, também vive em busca do pai, a quem nao chegou a conhecer. "Todos nós passamos o tempo inteiro perseguindo algumas coisas e também podemos perceber, em algum momento, que a vida passou e havia muito mais o que fazer", afirma Marzo. Só após sentir-se livre de sua sina - ainda que talvez tenha matado um inocente - o personagem consegue abrir os olhos para outras possibilidades.

"Ele acaba por descobrir o amor e, embora esse sentimento o transforme, já é tarde demais para vivê-lo", garante Marzo. Mas ainda assim a peça é sobretudo uma história de amor. "Na cadeia, ele redescobre a sensualidade", informa o diretor. Sensualidade na acepçao mais plena da palavra, nao significando sexualidade, mas todos os prazeres proporcionados pelos sentidos. Depois do crime, ele havia perdido o sono e a fome.

Ao livrar-se de sua sina, nao só se apaixona como redescobre o prazer de dormir, de ouvir, de sentir o aroma dos temperos e de saborear os alimentos. Ele volta a cozinhar na cadeia e a "transformar as dádivas da terra em comida", como ensina à jornalista. "A peça tem um fim epifânico e ritualístico muito bonito", afirma o diretor.

Em sua concepçao, William Pereira procurou marcar o movimento dos personagens da contençao para a expansao. "Da iluminaçao aos figurinos, tudo começa num tom outonal para ir aos poucos ganhando as cores do verao", acrescenta.




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