Evolução? Mais apropriado seria falar em involução. Do lírico lamento sertanejo autêntico, Fagner chegou às portas do sentimentalismo brega. Seus discos mais antigos causam uma certa estranheza, acima de tudo positiva. A viciada MPB de hoje está atolada na pasmaceira, empurrada para o brejo (principalmente) pela atuação das gravadoras, mais preocupadas com esquemas de marketing que com a qualidade artística.
Ave Noturna (1975) foi gerado na Continental. Acompanham Fagner músicos de primeira, como Luiz Alves (baixo) e Wagner Tiso (piano). O cearense passeia pela forte poética de A Palo Seco (Belchior), faz uma releitura moderna de Riacho do Navio (Luiz Gonzaga/Zé Dantas) e canta a expressão sertaneja de Antônio Conselheiro (Fagner).
Raimundo Fagner (1976) é o primeiro álbum pela CBS, no qual também se cerca de excelentes músicos, como Robertinho Silva (bateria) e Túlio Mourão (piano). Em Sinal Fechado (Paulinho da Viola), Fagner traduz a vanguarda para o regional. Matinada (Ernani Lobo, adaptação de Fagner) recria com a sanfona de Dominguinhos a autêntica música nordestina. Arranjos de Fagner, Robertinho de Recife e Wagner Tiso.
Orós (1977) é um trabalho conceitual, o melhor de Fagner. Os arranjos são de Hermeto Pascoal – nota-se com mais nitidez a genialidade do bruxo albino em Romanza (Fagner/Belchior/Fausto Nilo) e em Orós (Fagner), faixa instrumental. Destaca-se também Cebola Cortada (Petrúcio Maia/Clodo).
Eu Canto (1978) contém seu primeiro grande sucesso comercial, Revelação (Clodo/Clésio). A partir de 1979 o disco foi reeditado como Quem Viver Chorará – a CBS trocou o título e acrescentou Quem me Levará Sou Eu (Manduka/Dominguinhos), vencedora do Festival 79 de Música Popular, da TV Tupi.
Beleza (1979) traz outro megasucesso, Noturno (Graco/Caio Silvio). Mas, graças à delicadeza do piano de João Donato – que assina arranjos e regências –, os pontos altos são Ave Coração (Clodo/Zeca Bahia) e Quer Dizer (Fagner). Raimundo Fagner (1980) vendeu bem por causa de Eternas Ondas (Zé Ramalho), mas marca o fim do período neo-regionalista de Fagner.
Crise – Traduzir-se (1981), gravado em parte na Espanha, traz a participação especial de Mercedes Sosa em Años (Pablo Milanés). O cearense musicou o poema Traduzir-se, de Ferreira Gullar. Fagner (1982), gravado em Nova York e cheio de convidados ilustres cuja soma não forma um todo, já demonstra uma crise de inspiração. Arranjos de Fagner e Lincoln Olivetti.
Homenagem a Picasso (1983) coloca lado a lado Rafael Alberti, Fagner, Paco de Lucia e Mercedes Sosa. As letras – poemas, de fato – de Alberti, amigo de Picasso, têm tradução de Ferreira Gullar. Palavra de Amor (1983) contém, além da acomodação artística de Fagner, Guerreiro Menino (Gonzaguinha).
A Mesma Pessoa (1984) e Fagner (1985) colhem o cearense num momento em que até sua voz já tinha perdido o que tinha de sertanejo. Predomina em ambos a pasteurização das FMs. Cartaz (Francisco Casaverde/Fausto Nilo) é a faixa de trabalho de A Mesma Pessoa. Há bateria eletrônica em Fagner.
Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.