Política Titulo
Reforma exclui pacto federativo
Jorge Vasconcellos
Da ARN, em Brasília
10/04/1999 | 20:10
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A soluçao para as perdas de receita de Estados e municípios deve ficar de fora do projeto de reforma tributária que está sendo discutido pela comissao especial da Câmara, com apresentaçao prevista para agosto. A informaçao é do presidente da comissao, deputado Germano Rigotto (PMDB-RS), que, em entrevista exclusiva ao Diário, afirmou que o estabelecimento de um novo pacto federativo, com a definiçao de atribuiçoes e competências da Uniao, Estados e municípios, fará parte de uma reforma fiscal, a ser encaminhada no próximo ano.

Rigotto afirma que as prioridades da reforma que se discute na Câmara sao a ampliaçao da base de arrecadaçao e a simplificaçao do sistema. "Mais pessoas ou empresas vao pagar impostos e ficará mais fácil se combater a sonegaçao." Dessa simplificaçao deve constar, por exemplo, a extinçao do ICMS (Imposto sobre Circulaçao de Mercadorias e Serviços) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

DIARIO - O que o presidente Fernando Henrique Cardoso disse ao sr. na terça-feira sobre a disposiçao do governo de aprovar a reforma tributária?
GERMANO RIGOTTO - O presidente disse que a reforma tributária é prioridade total para o governo e que ele vai pessoalmente se empenhar e até participar do processo de negociaçao. Ele disse que toda a estrutura da área econômica, os técnicos que puderem ajudar na questao de informaçoes, está à disposiçao da comissao. Sem o governo a reforma nao sai, por mais esforço que o Congresso faça. Nós temos de fazer simulaçoes, precisamos de informaçoes que o governo tem. E o presidente me disse que fará com que o governo entre fortemente nessa negociaçao para fazer com que este ano nós tenhamos essas mudanças aprovadas no Congresso.

DIARIO - E o interlocutor do governo junto à comissao?
RIGOTTO - Deverá ser o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. Isso nao significa que até o ministro da Fazenda, Pedro Malan, nao entre no processo de negociaçao se houver necessidade. Maciel tem os números, condiçoes de rapidamente passar para a comissao tudo o que ela precisar de informaçao. Na verdade, ele deverá ser aquele ponta-de-lança do governo no Congresso.

DIARIO - Na conversa foi fixado prazo para a apresentaçao do projeto de reforma tributária?
RIGOTTO - Eu disse ao presidente que o prazo que nós estávamos nos dando é concluir esse trabalho na comissao até agosto, ou seja, o projeto irá a plenário em agosto. Coloquei esse prazo para que nós possamos ter a votaçao na Câmara, depois no Senado. Nós queremos aprovar o projeto ainda este ano para a reforma começar a ser implantada no ano 2000. Devemos estabelecer uma transiçao entre o sistema atual e o novo e o presidente acha que uma transiçao bem-feita talvez tranqüilize governos de Estados, municípios, entidades que têm preocupaçao com uma mudança rápida que possa determinar problemas para um ou outro setor.

DIARIO - Que reforma se quer para o país, uma que desonere a produçao, que aumente a arrecadaçao dos três entes da Federaçao, por exemplo?
RIGOTTO - A reforma, num primeiro momento, tem de ser neutra. Ela nao pode tirar arrecadaçao da Uniao, de Estado ou município. Nós podemos até rediscutir a repartiçao do bolo, a questao do pacto federativo. Como fazer o milagre da multiplicaçao dos paes, fazer uma reforma que nao tire receita e que diminua a carga tributária - este é o objetivo - dos setores muito penalizados? O setor produtivo perde competitividade com esse sistema. Hoje, na economia globalizada, temos uma produçao que é excessivamente tributada, e isso significa um preço de um produto mais alto lá fora, e o preço de um produto mais alto aqui dentro, que nao tem condiçoes de competir com o que vem de fora. O que significa essa perda de competitividade? Significa menos empregos, crise social. Entao, a reforma, se é neutra num primeiro momento, tem de diminuir a carga sobre o setor produtivo. Por outro lado, ela tem de diminuir a carga sobre o trabalhador de baixa renda. Hoje, um trabalhador de um, dois ou três mínimos paga tributos embutidos nos produtos da cesta básica e num sistema tributário que nao tem transparência nenhuma. Essa reforma, obrigatoriamente, tem de desonerar a cesta básica.

DIARIO - É possível adotar esta e outras medidas sem tirar receita da Uniao, Estados e municípios?
RIGOTTO - Claro, basta ampliar a base tributária, fazendo com que setores que nao estao pagando venham a pagar, e setores que estao menos tributados do que deveriam venham a ser mais tributados, como o capital especulativo. Que nós tenhamos uma possibilidade de ampliar a base e diminuir a sonegaçao e a informalizaçao da economia, porque o atual sistema facilita a sonegaçao, a evasao, a informalizaçao. É tributo em cima de tributo, uma irracionalidade que nao existe igual no mundo. Temos de ter uma mudança para racionalizar, para que, com menos tributos, haja tributos de fácil fiscalizaçao e de difícil evasao. Se conseguirmos isso, vamos ter condiçoes de ampliar a base e fazer com que se diminua a carga sobre setores que estao muito penalizados, sem tirar receita de Uniao, Estados e municípios. A ampliaçao da base é o segredo. Hoje nós temos uma arrecadaçao total em torno de 32% do PIB (Produto Interno Bruto). Alguns dizem que é uma arrecadaçao alta, podem até ser mantidos esses 32%, o problema é que eles sao mal distribuídos. Quem paga tributo paga muito, e muita gente está de fora. Nós temos de trazer para dentro setores que estao fora e distribuir melhor essa carga.

DIARIO - Como se pode reduzir a informalizaçao da economia?
RIGOTTO - Com tributos de fácil fiscalizaçao e de fácil controle. Um exemplo é a CPMF (Contribuiçao Provisória sobre Movimentaçao Financeira). O lado ruim da CPMF é que ela recai cumulativamente em toda a cadeia produtiva. Além disso, ela foi implantada como mais um tributo. O lado bom é que ela é de difícil sonegaçao, com uma base muito ampla. Entao, um imposto seletivo, como esses que estao se falando, sobre a energia na saída da usina, sobre combustíveis na saída da refinaria, sobre veículos na saída da montadora sao tributos de fácil fiscalizaçao e difícil evasao. Temos de buscar um sistema tributário totalmente diferente deste, mesmo com a transiçao. Hoje, uma empresa consome 30% do custo administrativo dela para fazer a escrituraçao fiscal, tal a complexidade do sistema, que facilita a fuga. Há brechas na legislaçao que facilitam a evasao. Entao, tem muita gente que ganha com esse sistema. E esses que ganham nao querem mudar. Entao, nós vamos ter de enfrentar essas resistências, fazer uma negociaçao que envolva Uniao, Estados, municípios, todos os setores, como indústria, centrais sindicais, agricultura, comércio, pequenas e microempresas.

DIARIO - Que focos de resistência o sr. já detectou?
RIGOTTO - Existe aquela resistência conservadora, daqueles que acham que nao se deve fazer mudanças muito profundas no sistema, conservadorismo até de quem ajudou a construir esse sistema. Até mesmo dentro das máquinas arrecadadoras e fiscalizadoras, porque alguns têm medo de perder o poder de cobrar. Acho que nao deve haver esse receio. A mudança vai facilitar a vida dessas pessoas que trabalham na fiscalizaçao e na cobrança, na arrecadaçao. Tem gente que nao fala, mas na hora de nós concluirmos esse processo de negociaçao, essas pessoas que lucram com o atual sistema vao botar areia. Quem ganha com o sistema nao quer a reforma profunda que nós pretendemos realizar, mas nós precisamos vencer essas resistências. Neste ano, em que nao há outra reforma estrutural na linha de frente discutida no Congresso, temos condiçoes de realizar uma reforma na direçao da justiça fiscal, da ampliaçao da base de arrecadaçao, da diminuiçao da sonegaçao, da busca de um Estado que tenha arrecadaçao maior em cima da retomada do desenvolvimento pelo ganho de competitividade.




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