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Mercado de arte resiste aos leiloes virtuais
Do Diário do Grande ABC
24/06/2000 | 15:20
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Quando, recentemente, o site norte-americano eBay cancelou a venda de uma pretensa obra de arte leiloada pela Internet, cujo lance inicial saltara de US$ 0, 25 para estratosféricos US$ 138,505 por força de boatos e falsas ofertas, o mercado tradicional de artes reagiu com desdém. Para a maioria dos leiloeiros à moda antiga, o episódio só confirmava o que eles apregoam: que a Web pode ser muito útil para quase tudo na vida moderna, sim. Menos para leiloar obras de arte. Ou nao?

O episódio envolvendo o eBay e o advogado Kenneth A. Walton, que espalhou o boato de que seu quadro poderia ser uma valiosa pintura do artista norte-americano Richard Dieberkorn, acabou revelando uma brecha na confiabilidade e na segurança da Web.

Walton admitiu ter usado nomes diferentes para dar seguidos lances por seu próprio quadro, manipulando o preço do que nao passava de rabiscos. O cancelamento da transaçao foi possível porque o próprio eBay alegou desrespeito às regras do site, mas principalmente por causa do escândalo. Na falta de legislaçao específica, a reputaçao de um site acaba sendo seu ativo mais importante, uma versao virtual do antigo conceito dos fios de barba como garantia de seriedade e compromisso.

O caso é que, se nao era já habitual a oferta de obras de arte de maior valor nos pregoes virtuais, depois do caso Walton a situaçao ficou ainda mais delicada para esse ainda incipiente segmento do e-commerce. E, pelo menos na opiniao de alguns leiloeiros tradicionais no mercado das artes brasileiro, as coisas devem continuar assim por muito mais tempo.

Decoraçao - "O que chamam por aí de leiloes virtuais de arte nao passam, em geral, de vendas de peças decorativas. Esse é um nicho ainda engatinhando no nosso mercado", desdenha Jones Bergamin, da Bolsa de Artes do Rio de Janeiro.

Ele explica que a Internet ajuda os leiloeiros tradicionais, ao permitir a divulgaçao das peças que vao ser leiloadas ao vivo. "Por meio do nosso site, o www.bolsadearte.com, posso mostrar a potenciais interessados, 15 dias antes de o catálogo ficar pronto, o que vamos leiloar, o que ajuda a atrair negócios permitindo aos compradores que se organizem", acrescenta.

Ele conta que, de 4 mil cartas que enviou antes do último leilao, comunicando a apresentaçao virtual das obras no site, recebeu 2 5 mil visitas on-line. Para reforçar essa funçao, ele vem catalogando as obras vendidas nos últimos leiloes, com foto, descriçao e valor alcançado. "Isso vai dar noçao ao mercado de quanto vale uma obra, algo que hoje ainda nao é claro, há muita especulaçao", acredita.

Bergamin também aponta outra possível funçao da Web para o mundo das artes, que é a de estabelecer contato entre profissionais da vida real. "Se um colecionador ou galerista oferece uma obra, eu que sou do meio posso saber se ele efetivamente tem a obra e se o preço é real. Mas vai ser uma relaçao entre profissionais que se conhecem. Isso exclui o leigo", diz.

Classificados - Do alto de seus 20 anos leiloando pinturas brasileiras, o marchand Aloyisio Cravo concorda com Bergamin em que a Web nao é lugar de leilao. "O que se chama de leilao virtual nada mais é que a versao eletrônica dos classificados, que em arte só vende peças de pequeno valor agregado", compara.

Com a paixao de colecionador, Cravo rejeita o leilao virtual de arte pelo próprio princípio da coisa. "Comprar uma obra de arte é um ato de amor, você precisa se emocionar, se deixar conquistar pela obra e, antes de comprá-la, comprar primeiro o dono da obra, que é sua garantia de que aquilo vale o que você vai pagar", diz. Ele conta que só agora se está rendendo ao mundo virtual e, para o próximo leilao, vai mostrar as obras no seu site.

Cravo aponta um complicador para a consolidaçao de um mercado virtual para a arte, especificamente no Brasil: a falta de oferta e de informaçao confiável sobre a arte e os artistas nacionais. "Nossos maiores artistas criaram relativamente poucas obras e muitas nao se sabem onde estao", explica ele. E acrescenta: "O que sabemos até hoje é que, se dois ou três novos colecionadores entrarem no mercado comprando arte brasileira ao ano, em três anos os preços das obras nacionais vao triplicar, tao escassa é a oferta."

Elitismo - Se para os defensores do velho martelinho o mundo virtual ainda é ficçao científica, as cabeças da Internet garantem que essa reaçao é puro e simples elitismo. Ou medo da concorrência. Perguntado sobre se acha possível consolidar um mercado virtual de obras de arte junto ao internauta, o presidente do site Lokau.com, Cláudio Zohar, reage com veemência: "Acho, acredito e provo que sim."

Ele devolve as críticas aos críticos, ressaltando que o papel da Internet "é democratizar o acesso de novos consumidores à arte, que nem sempre é só uma peça cara, há peças acessíveis a muitos internautas que, por qualquer motivo, nunca tiveram acesso a galerias ou leiloes tradicionais".

Contestando seus concorrentes físicos, Zohar argumenta que muitas obras só sao caras "porque para o galerista ou leiloeiro nao interessa vender peças mais baratas. E ele nao perde seu tempo e seu espaço com coisas que nao tenham o maior valor possível". Ele aponta como exemplo de arte acessível uma cerâmica de Picasso vendida recentemente pelo site, com lance inicial de R$ 1 mil e arrematada por R$ 6 mil. "É algo que muita gente pode comprar e que nem sempre é oferecido ao vivo, porque apesar de ser Picasso nao tem um valor tao alto, pois é uma peça em série", explica.

Zohar admite que a segurança, para evitar problemas como os ocorridos com o eBay e a obra que nao existia, é a maior fonte de preocupaçao, hoje, nos sites especializados em leiloes. Há poucos dias, ele se associou a uma empresa recém-criada, a Mediador.com, que vai oferecer virtualmente o velho bordao da "satisfaçao garantida ou seu dinheiro de volta".

Segundo Zohar no ato do último lance, o comprador vai depositar o valor combinado em uma conta administrada pela Mediador, por meio de parceria com várias instituiçoes financeiras. A Mediador vai retirar o produto vendido e encaminhá-lo ao comprador, que terá tempo de conferir se a lebre cobiçada nao é um gato vira-latas. "Se o produto nao corresponder à expectativa gerada pelo vendedor, o comprador pode desfazer o negócio e receber seu dinheiro de volta", diz Zohar.

Serviço semelhante foi adotado pelo concorrente Arremate.com, em parceria com a Delphos do Brasil. A empresa oferece ao comprador a possibilidade de contratar um seguro de entrega, mas sem garantir que o produto seja exatamente o imaginado. "Essa garantia quem dá é a comunidade internauta, que desqualifica em listagens públicas quem nao cumpre as regras dos leiloes", diz o diretor de marketing do site, Marcelo Toledo. Ele acredita que nao se deve ver o mercado de leiloes como algo específico, de arte ou do que quer que seja. "O que existe é uma comunidade que encontra um canal para se aproximar e trocar interesses", define.




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