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Aos 80 anos, Candeias ganha mostra especial
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
29/07/2002 | 18:56
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O marginal dos marginais completa 80 anos e ganha uma mostra especial no Centro Cultural Banco do Brasil a partir de quarta e até 11 de agosto. É a Retrospectiva Ozualdo Candeias – 80 Anos, com obras do diretor, ator e produtor oriundo da chamada Boca do Lixo paulistana. Candeias possui uma cinematografia original, pelo experimentalismo e pelo objetivo: mostrar os degradados da sociedade, com poucos recursos e preferindo atores desconhecidos.

São 37 títulos, entre filmes inéditos em circuito comercial, documentários e cópias novas, organizados pela Heco Produções, que já havia realizado no ano passado a mostra Cinema Marginal e suas Fronteiras, e a Retrospectiva Walter Hugo Khouri – 50 Anos de Cinema, e esse ano fez outras sobre Leila Diniz.

Candeias é um importante autor do cinema brasileiro. Ele escrevia, dirigia, editava e fazia até iluminação, quando não atuava e produzia para outros cineastas, como José Mojica Marins e Davi Cardoso. Candeias personifica o cinema marginal, tanto quanto é seu representante máximo. A data exata de seu nascimento ele não sabe ao certo, se em Cajubi (SP) ou perto de Cuiabá (MT).

Filho de agricultores, aprendeu a montar e laçar, foi ex-sargento da Aeronáutica e ex-caminhoneiro e escreveu sua história no cinema brasileiro à margem de tendências. Uma história que começou com o longa A Margem (1967), semente de uma estética outsider, que batizou esse movimento. Estreante, sem recursos, e contando só com criatividade, impressionou na estréia com uma história trágica de amor entre dois moradores de uma favela às margens do rio Tietê, às voltas com a sobrevivência e o caos urbano.

Seu último filme foi O Vigilante (1992-93), sobre um matador profissional que agia na periferia. Não foi exibido comercialmente, mas recebeu um prêmio do júri no Festival de Brasília. Matadores impressionavam o então adolescente Ozualdo, que queria ser um deles. Não pegou em armas, mas usou a câmera para dar seu recado em fitas que pouca gente viu – muitas foram proibidas e circularam em circuito restrito. Outras, como Meu Nome é Tonho (1971), tiveram êxito de público.

Para Candeias, esta retrospectiva mostra que ele fez 11 longas com produção privada, sem dinheiro do Estado. “Houve um momento na história que um durango igual a mim fez 11 longas, isso é importante, e quase tudo com dinheiro privado. Hoje, sai todo mundo correndo atrás de subsídio. Quantas fitas se faz por ano, e quem é que faz? São os mesmos, são filhos da classe média, quando antes podia ser até povão fazendo. De 90 para cá, aonde está a produção nacional que era de quase cem fitas por ano? Nos anos 60 e 70 todo mundo tinha um recado político social para dar. Alguém faz alguma fita assim hoje? Quando faz, é bosta”, afirmou.

As cópias da retrospectiva foram restauradas, em particular Tambaú – A Cidade dos Milagres (1955). Candeias fez o filme quando ainda era caminhoneiro, após adquirir uma câmera para sair filmando o país que ele conheceu viajando de caminhão (América do Sul é o título que reúne quatro desses trabalho).

Tambaú registra a presença de romeiros por causa de supostos milagres do padre Donizetti (em processo de canonização) naquela cidade paulista. “O que aconteceu é que eu fiz tiro ao alvo na lata. Peguei o que sobrou do positivo e montei um curta, que ficou melhor do que o longa”, disse.

Seus filmes têm razões que ele conhece bem. “Cada um, fiz por uma razão, que é social, política ou cultural. Eu não fiz fita porque precisava fazer, nunca fiz isso, eu sempre pensei nelas, sempre achei que eu tinha um recadinho para dar”, afirmou.




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