Cultura & Lazer Titulo
Goffredo Telles: o agricultor de ideais está feliz
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
02/11/2002 | 17:41
Compartilhar notícia


Goffredo Telles Junior, 87 anos, olha orgulhoso para a figueira plantada em um vaso dentro de seu escritório na avenida São Luiz, em São Paulo, e afirma: “Sou agricultor”. De fato, ele veio de uma família de grandes fazendeiros paulistas que também plantaram cultura. Mas foram outros ideais que floresceram em sua carreira de jurista, advogado, político e defensor das liberdades humanas que hoje o levam a comemorar a concretização de um sonho: a chegada ao poder de um legítimo representante do povo.

Há 25 anos, Telles leu para uma multidão no pátio da Faculdade de Direito de São Paulo a Carta aos Brasileiros, um documento redigido por ele que pedia a volta do “Estado de direito, já” no perigoso ambiente do regime militar em 1977. “Não fui preso porque os estudantes não deixaram, deram um sumiço comigo. Minha mulher, Maria Eugênia, meu anjo da guarda, também sumiu comigo. Todos disseram que eu sumi. Dias depois, dois deputados federais governistas me tranqüilizaram, pois o governo considerava a minha Carta dentro do campo de manobra. Nunca entendi o que eles queriam dizer com isso. Mas sim, eu poderia ficar tranqüilo”.

A trajetória de Goffredo Telles é singular no Brasil. Aos 5 anos, primogênito de cinco irmãos, falava francês e inglês e estudava muito, incentivado pela família e sua avó, Olívia Penteado. Aos 16, ensinava Lógica a ela. Olívia, dama da alta burguesia paulistana, recebia em seu casarão na esquina da rua Conselheiro Nébias com Duque de Caxias (não existe mais) a nata da cultura nacional. “Para mim ela era maravilhosa, minha madrinha, minha amiga querida”.

Goffredo é filho de Carolina Penteado da Silva Telles e Goffredo Telles. Seu pai foi poeta, presidente perpétuo da Academia Paulista de Letras e prefeito de São Paulo em 1932 (criou o Parque do Ibirapuera).

As visitas eram freqüentes no casarão paulistano e na Fazenda Santo Antônio, em Araras, especialmente dos artistas que fizeram a Semana de 22. “O que aconteceu é que eles, depois da Semana, se agrupavam em torno de minha avó. Éramos amigos de todos. Lembro de Pagu mocinha aos pés de Oswald de Andrade, Anita Malfatti fez um retrato de minha mãe, Lasar Segall o do meu pai. Foi no jardim do casarão que Olívia criou o Salão de Arte Moderna, depois de 1922, onde vieram pela primeira vez no Brasil obras de Picasso, Léger, Braque e outros. Segall pintou as paredes e o teto do Salão. Neste jardim, Heitor Villa-Lobos me ensinou a fazer pipas”, disse.

Sua primeira mulher foi Zita (Elza Xavier da Silva, a namorada de infância), que conheceu com 16 anos, em 1931. Oito anos depois, casaram-se. Seu filho Goffredo Neto morreu de meningite aos 2 anos. Zita morreu um ano depois. Casou-se com Ligia Fagundes, que ainda não era escritora, após se eleger deputado para a Assembléia Constituinte de 1946. Separaram-se, mas tiveram um filho, Goffredo Telles Neto, cineasta. Anos depois desta separação, casou-se com Maria Eugênia, mãe de Olívia e sua mulher há 34 anos.

São muitas histórias de um eterno estudante contadas na biografia A Folha Dobrada – Lembranças de um Estudante, lançada em 1999. Goffredo entrou para a Faculdade de Direito em 1933, começou a dar aulas em 1940 e só saiu de lá em 16 de maio de 1985, aos 70 anos, aposentado compulsoriamente. Mesmo assim, comparecia para os “círculos das quartas-feiras”, reuniões com estudantes. Hoje, é raro sair de casa, um andar abaixo de seu escritório, mas se mantém intelectualmente ativo.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;