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Carmela Gross escapa da frieza conceitual
Do Diário do Grande ABC
01/02/1999 | 15:27
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Quando Carmela Gross fez sua primeira exposiçao na Rex Gallery, templo da arte underground em Sao Paulo, o sonho dos anos 60 já virara pesadelo. Mas Carmela, que estudara na Faap com Flávio Império, Flávio Motta e Ruy Ohtake, ainda sonhava com um tipo de arte dificilmente consumível pelo mercado brasileiro.

No fim dos anos 60, Carmela estava construindo nuvens de madeira pintadas de esmalte sintético, que agora pertencem ao acervo da Pinacoteca. Romântica? Nem tanto. Essa série de nuvens, mais do que uma reinterpretaçao da história da pintura, traduzia um desejo de construir um espaço metafísico.

Esse desejo sempre perseguiu Camela. Depois das nuvens vieram as cabanas de lona, um pouco parecidas com as cabanas que os operários usam nas ruas. Nao tinham, porém, caráter utilitário. O público da Bienal ficava intrigado com aquela estrutura de madeira coberta de lona de caminhao que, afinal, nao servia aparentemente para nada, a nao ser como representaçao metafórica do período. Afinal, Kosuth já estava em atividade e a arte conceitual ganhava adeptos em todo o mundo.

O advento da arte conceitual coincidiu com o nascimento de outras mídias, criadas pelo avanço tecnológico. Os artistas pulavam sobre máquinas xerox para copiar o corpo, os experimentais começavam a namorar o vídeo e muita gente descobria na mail-art um meio de expressao ideal para a difusao de idéias políticas, filosóficas e artísticas. No começo dos anos 70, muitos dos alunos de Carmela na Escola de Comunicaçoes e Artes da USP achavam que desenhar era crime. Pintar, entao, era um ato abominável.

Mesmo assim, Carmela formou grande pintores. Apenas para lembrar um dos grandes da nova geraçao, Paulo Pasta freqüentava suas aulas na ECA. A professora já havia feito arte com xerox e, na época em que se conheceram, isto é, em 1978, ela fazia uma exposiçao com carimbos, reunindo trabalhos que tinham algo a ver com as idéias de Walter Bejamim sobre a reproduçao da obra de arte.

Imagens eram superpostas até a desintegraçao num processo que brincava, até mesmo, com o gesto burocrático, automático e repetitivo dos desenhistas. Carmela queria reinventar o desenho brasileiro, repensando, principalmente, a obra de Tarsila. Ao contrário do desenho, Carmela nao elevava mais o olhar para o céu, mas para a água. Seus trabalhos com vídeo tinham como meta traçar um caminho geométrico da água, representada por pontos luminosos que se confundiam com a luminosidade do vídeo. Do meio líquido, ela conquistava, enfim, a terra firme. Na Bienal de 1989, seus desenhos feitos diretamente na parede revelavam disposiçao para construir uma nova espacialidade, como Fontana na tela. Carmela queria mesmo é desenhar no ar.

Vieram, entao, os "objetos bestas", série de peças recortadas que foram dando lugar a experiências radicais com o gesto repetitivo, em que a mao ganhava autonomia em relaçao ao trabalho cerebral. Desse embate entre o projeto racional do desenho e a construçao sensível do objeto, a vitória da forma permite afirmar que a obra de Carmela veio para despertar a consciência do contemplador, obrigado a sair da observaçao passiva e convidado a reconstruir o mundo.




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