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Estudo homenageia a arte de escrever cartas
Melina Dias
Da Redaçao
23/09/2000 | 15:37
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"Violaçao de correspondência: devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem". O Artigo 151 do nosso Código Penal, de 1940, descreve o crime e prevê pena de detençao de 1 a 6 meses, ou multa, para quem o comete. Em tempos de valores ultrajados a lei pode soar caduca, mas, ainda assim, talvez seja o argumento mais palpável para se fazer um jovem adepto do correio eletrônico entender a importância de uma carta.

Nao por seu caráter punitivo, mas histórico, o Artigo 151 reflete em nossa sociedade a importância das missivas ao longo dos séculos. Cartas sao documentos preciosos, sejam elas escritas pelo papa ou por aquela tia distante do interior. Os papéis podem mudar vidas ou simplesmente congelar sentimentos.

Mas, diferentemente dos diários pessoais, elas possuem uma dinâmica própria. Ao serem remetidas, passam pelo crivo do destinatário. As palavras recebidas sao entao analisadas, repensadas e finalmente, respondidas. Dá-se a mágica. É um diálogo rico, calculado, por vezes sofisticado, mas sempre protegido pelo véu da intimidade - prato cheio para o voyeur dentro de todo ser humano.

Cientes do apelo midiático e comercial destes registros, os novos historiadores se dedicam cada vez mais a escarafunchar baús e escrivaninhas em busca de qualquer bilhetinho escrito em papel de pao. Desse esforço, nascem compilaçoes razoáveis, outras nem tanto.

As historiadoras Walnice Nogueira Galvao e Nádia Battella Gotlib dividem a organizaçao de Prezado Senhor, Prezada Senhora - Estudos sobre Cartas (Companhia das Letras, 414 páginas, R$ 33,50). O bom resultado se deve principalmente à inspirada seleçao de autores.

Os convidados, ao que parece, ficaram à vontade para discorrer sobre os remetentes e destinatários escolhidos. Isso garante a diversidade de estilos, a leveza dos textos e a riqueza de informaçoes. Há capítulos que, por si só, mereceriam um livro.

Michael Hall, historiador da Unicamp especializado em Brasil, é um dos que consegue abrir o apetite do leitor para as particularidades de seu destinatário eleito: o escritor norte-americano de novelas policiais Raymond Chandler. Sem precisar reproduzir trechos extensos, Hall descreve as curiosidades da correspondência entre Chandler e Dashiell Hammett, outro grande criador de best-sellers do gênero nas décadas de 1920 e 1930. Obviamente um aficionado do gênero, Hall divide com o leitor suas pesquisas. "A correspondência, especialmente nas décadas de 1940 e 1950, virou uma atividade importante na vida de Chandler". Ele explica que, isolado em casa (era alcoólatra e evitava reunioes sociais) e cuidando da mulher seriamente doente, o escritor passava madrugadas escrevendo cartas aos amigos. Segundo Hall, o legado da correspondência entre os novelistas é uma franca análise sobre sua produçao literária e o mau uso que a mídia, em especial o cinema, fez dela.




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