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História de professor

Dia desses, conversei com um amigo, inveterado professor no ensino...

Rodolfo de Souza
31/03/2016 | 07:00
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Dia desses, conversei com um amigo, inveterado professor no ensino deste meu país, que manifestou desejo de narrar-me episódio do seu dia a dia, que lhe teria causado grande constrangimento e um tanto de humilhação. Ouvi, pois, atentamente e, ao final, conclui que fatos assim contribuem e muito para o sentimento de frustração do qual é acometido todo o profissional do ensino que busca realizar um bom trabalho. Aquele que está sempre no encalço de novos meios para levar o seu aluno ao crescimento. Até porque, lida com o ser humano no limiar da sua vida, carente, portanto, da mão amiga do mestre que tem formação, experiência e conhecimento suficientes para conduzi-lo.

Eu, admirador que sou desta profissão, destaco a sua importância no seio de uma sociedade, tendo em vista que é pelas mãos do trabalhador da educação que a pessoa começa a dar os primeiros passos rumo a uma carreira. E, levando em conta que em seu meio um homem não é nada sem o seu ganha-pão, chego mesmo a imaginar como seria bom se papais e mamães, cientes desta realidade, pensassem com mais carinho sobre a questão e deixassem de lado o pensamento retrógrado de que lá adiante cuidarão do curso profissionalizante do filho e depois da faculdade, esquecendo-se de que tudo isso depende da base, do início, da escolinha pública.

Entretanto, pelo que pude notar depois de ouvir, absorto, esta e outras histórias a respeito, é provável que só pequena minoria não sustente esta ideia de deixar para depois. Seria preciso antes que a outra parte visse com novos olhos o ensino e quem está por trás dele. Claro que, um tantinho de nível intelectual daqueles é fundamental para se entender o mecanismo que faz brotar o interesse e a curiosidade dos filhos. E pode estar aí, nesta carência de entendimento, o defeito que faz emperrar a engrenagem da educação. E o resultado é sempre o ensejo em se deixar para levar a sério o estudo do rebento só quando o marmanjo completa dezoito aninhos e já tem barba na cara.

O caso narrado pelo meu amigo serve bem para ilustrar este quadro. Ocorreu num momento em que, no exercício de sua função, procurava ele introduzir na mente jovem a necessidade de se encontrar o caminho para a construção do conhecimento e que isso só é possível por meio da prática salutar do companheirismo, do respeito e da disciplina. Princípios de ética era, pois, assunto sobre o qual discorria o professor diante de alunos que, no aconchego do lar, jamais ouviram falar a respeito e, ainda descobriram, cheios de rancor, que a proposta da escola era mesmo colocar em prática essa ideia tresloucada de submeter suas mentes, ainda verdes, à fabulosa experiência do conhecimento que leva à sua evolução e, por conseguinte, de toda uma sociedade.

E o professor se aprofundara nesta conversa, justamente porque algumas criancinhas levadas insistiam, no fragor da brincadeira, em impedir que o seu assunto chegasse àqueles alunos que lá estão para de fato estudarem. Em dado momento, inclusive, tolhido do direito de executar o seu trabalho e cheio de pena do estudante de verdade que ainda teima em existir, o mestre acabou por perder a cabeça, humano que é, e chutou o balde de leite. Foi quando um dos tais sentiu-se ultrajado, fez beicinho e levou correndo o caso ao conhecimento da mamãe. Teve ainda o cuidado de dar ao ocorrido o tom dramático necessário para enfurecer sua protetora e guardiã que logo correu até a escola para achincalhar o professor e exigir providências. Mais do que depressa, então, a autoridade escolar tratou de puxar a orelha deste que se esmera na sua tarefa de ensinar a aprender, mas que naquele momento se assumiu como homem de carne e osso, teve ímpetos de agir e agiu como tal. Ainda que ninguém saísse ferido da contenda. Somente o ar por causa do barulho de desabafo, e também os brios do professor, que ainda teve de pedir desculpas à criança inocente.

Fim do relato e ouço do meu amigo a indagação: o que eu ganho me metendo em confusão com aluno que, debaixo do consentimento materno, se recusa a aprender? Pergunta que todo professor da atualidade faz. Bolas!

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com.
 




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