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Palavra certa
Melina Dias
Do Diário do Grande ABC
02/03/2007 | 20:31
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Difícil saber o que é mais saboroso no livro Por que a Mulher Gosta de Apanhar e Outras Reportagens dos Anos 1960 e 1970 (Nova Fronteira, 240 págs., R$ 29,90 em média), da veterana jornalista Christina Autran.

Uns vão achar que é a estupenda lista de entrevistados, que inclui, entre 30 personalidades, os respeitados Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Clarice Lispector e Carlos Castello Branco, e os então iniciantes Chico Buarque, Norma Bengell e Edu Lobo, “meninos” que começavam a despontar no cenário artístico (para se ter uma idéia o hoje inatingível Chico, antes da entrevista, telefonou para a repórter para saber se ela já havia lhe ligado).

Outros ficarão deliciados com as declarações dos entrevistados, que compõem um interessante painel do que era o país naquela época, quando onda era tomar bolinha, ouvia-se iê-iê-iê, Glauber Rocha discorria sobre o poder imperialista contido no blue jeans e a cirurgia plástica começava a ser colocada a serviço do rejuvenescimento.

Divertidíssimas são as entrevistas com artistas e playboys, décadas antes do politicamente correto. Carlos Imperial, entre várias pérolas, dispara: “As futilidades e os prazeres sempre cortaram meus ideais. Sou daqueles que estão prontos para salvar o Brasil amanhã, se não fizer sol – porque senão vou para o Castelinho.” Isso foi em 1968.

Igualmente interessantes são os comentários da autora que pontuam os depoimentos. Em vários textos, ela dispensa o recurso pergunta e resposta e enriquece com observações sobre o ambiente e o entrevistado. O melhor exemplo é o artigo sobre o movimento no gabinete de Guimarães Rosa, já que o escritor dá um chá de cadeira na jornalista antes de negar-lhe a entrevista, como era seu costume.

Detalhes como a pele descascando de sol, o modo de se vestir, segurar um cigarro, o sotaque, a gagueira, a cor das meias são registrados.

Christina também teve sacadas que transformaram algumas de suas entrevistas em registros históricos únicos, como Nelson Rodrigues rebatendo pensamentos de Jung (sem ser informado desse crédito).

Só faz falta, chega a ser imprescindível para os leitores mais jovens, uma rápida biografia de cada um dos entrevistados a título de contextualização histórica.

Nelson Rodrigues (1967):

– Algum marido pode desconfiar da mulher às dez horas da manhã?

– Bom, o marido só desconfia a partir das duas, três, quatro horas da tarde. Às dez horas da manhã qualquer mulher pode prevaricar – na hora da feira, por exemplo – com absoluta segurança.

– Mulher bonita só deve ser de um homem ou de mais de um?

– Bom, eu acredito no amor eterno. Na minha opinião, se o amor acaba, não era amor. Acredito que a mulher só deve ter um homem. Se ele for o ser amado e se morrer, ela deve continuar fidelíssima. Não há adultério tão indesculpável como a viúva bem-sucedida no seu primeiro casamento e que se casa. Esse adultério não tem perdão nem no céu nem na terra.

Clarice Lispector (1967):
– Existem uma literatura feminina e uma literatura feita por mulheres?

– Não. A literatura é feita para a gente. Não, de jeito nenhum. Mulhr é escritor, não é escritora, por mais feminina que seja.

Clarice usava um vestido estampado em tons pastel, simples e elegante. Nos pés, sandálias brancas sem salto. Tinha os cabelos soltos, na altura dos ombros.

– Você acompanha a moda?

– De longe. Não gosto de andar de unifiorme, não.<EM>

– Mulher gosta de apanhar?

– Só do homem amado. Que é isso! Apanhar sem amor é fogo!

Helô Pinheiro, a garota de Ipanema (1967)
Helô não costuma ler:

– Bom, primeiro foi aquele negócio de Garota de Ipanema, depois comecei a trabalhar como professora primária. Quer dizer, não tinha tempo para ler e cheguei num ponto em que já não estou mais habituada a pegar num livro. E nem tenho paciência de ler um livro imenso de um autor espetacular. Um livro intelectual. Minha vida era estudar, trabalhar e me divertir. Atualmente, saio muito com meu marido e, quando não tenho nada para fazer, vou a uma praiazinha. Mas, se pego num livro, acabo dormindo.

Norma Bengell (1967)
De minissaia e descalça, Norma fez 32 anos. Recebeu rosas e amigos; os pais também foram e discutiram com ela a entrevista dada a uma revista. O pai, baixo e alemão, estava indignado porque Norma disse que teve uma infância infeliz:

– Nunca vi uma menina que foi à praia e teve uma bicicleta se dizer infeliz. Os meus vizinhos vieram me contar o que você disse na revista e eu mostrei a eles seus retratos na praia sentada no meu colo, andando de bicicleta. Eles viram que eu não estava mentindo.

– O que é que eu tenho a ver com seus vizinhos? Minha infância fui eu que vivi.



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