Cultura & Lazer Titulo
Exorcismo no banco dos réus
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
02/12/2005 | 08:39
Compartilhar notícia


Baseado em uma história real. Não é a primeira nem a última vez que tal alerta aparecerá anexado a um filme, mas no caso de O Exorcismo de Emily Rose ele é mais que uma simples sirene para denotar a relevância do enredo. O argumento do longa-metragem de Scott Derrickson inspira-se nos últimos meses de vida de Anneliese Michel, jovem alemã morta em 1976, após submetida a sessões de exorcismo. O padre que comandou o esconjuro foi acusado de homicídio e omissão de socorro à garota, supostamente possuída pelo demônio. Na época, é bom que se diga, a Alemanha e o resto do mundo viviam uma histeria sobrenatural provocada por O Exorcista (1973), filme de William Friedkin que fez da sopa de ervilha algo além de um prato de entrada. O cinema forneceu o lastro para a paranóia.

O poder da imagem é destilado por Derrickson – por quem não se dava um tostão, uma vez que sua filmografia anterior inclui somente Hellraiser 5: Inferno –, e de forma até profunda, se o espectador não se deixar levar pelos vícios dos filmes de tribunal e de terror.

O padre Moore (Tom Wilkinson) é responsabilizado pela morte de Emily Rose (Jennifer Carpenter), no interior dos Estados Unidos. O sacerdote vai a julgamento e a Igreja Católica contrata Erin Bruner (Laura Linney), advogada bem-conceituada. A promotoria alega que Emily sofria de epilepsia e psicose para justificar suas convulsões; a defesa, a despeito das orientações da Igreja, encampará a tese de que Emily foi mesmo possuída pelo coisa-ruim.

O Exorcismo de Emily Rose indaga se a imagem legitima a verdade ou a opinião e apresenta-a submetida às duas formas. Grande parte do filme passa-se em meio aos acontecimentos do tribunal, à audição das testemunhas, à elaboração da estratégia de defesa e a uma suspeita de visita do capeta à advogada. Em flashback, cenas da possessão de Emily e o conseqüente exorcismo que, gravado em uma fita de áudio, é apresentado ao júri e reconstituído visualmente.

Quer dizer que Derrickson engata a quinta marcha da parcialidade e deita o pé no acelerador rumo ao inexplicável, sem consultar o retrovisor? Não – e olhe que seria muito mais simples, já que o terror não é mais contestado como possibilidade racional dentro do cinema. O diretor conhece a influência de uma imagem, ainda mais num mundo em que o globo ocular virou autovia do consumismo. Emprega imagens fortes na possessão para reproduzir em impacto a paixão e a fé com que o padre e os que sustentam a validade do exorcismo defendem seu ponto de vista. Convém notar que as cenas de terror legitimam a tese de possessão e traduzem apenas os depoimentos das testemunhas de defesa, ou seja, aquelas inclinadas a garantir a ocorrência sobrenatural.

E é uma única imagem, em meio a duas horas de projeção, que determina a postura de Derrickson no debate entre ciência e religião, mais velho que caminhar para a frente. Na abertura, uma cerca de arame farpado pinga sangue – atenção a esses elementos, que serão revisitados em momento-chave e de forma discreta. Derrickson é da turma, minoritária, que professa que uma cena ou situação não precisa ser vista e revista em prol da compreensão.

A escola de Derrickson é a da sutileza, por mais paradoxal que isso pareça num filme que exibe uma jovem em contorções e auto-flagelos (assim mostrada, lembre-se, para tão-somente corroborar uma das perspectivas do filme, a da defesa, e não a do diretor); o delgado de sua obra está na exibição de uma imagem solitária, que não dura nem dez segundos e é capaz de protestar contra o misticismo da trama, colocando em cheque a própria estrutura do filme de terror, que não convence sem crença. Uma ousadia que, em vez de alardeada, é sussurrada, em uma imagem quase estática, mínima, e a mais importante de todo o filme, mesmo ao concorrer como a série de deformações físicas e jurídicas.

O EXORCISMO DE EMILY ROSE (The Exorcism of Emily Rose, EUA, 2005). Dir.: Scott Derrickson. Com Laura Linney, Tom Wilkinson, Jennifer Carpenter. Estréia nesta sexta-feira no ABC Plaza 10, Shopping ABC 3, Extra Anchieta 7, Metrópole 2, Mauá Plaza 1 e 5, Central Plaza 8 e circuito. Duração: 119 minutos. Censura: 14 anos.



Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;