Cultura & Lazer Titulo
Carlos Gomes 85 anos
Karla Machado
Do Diário do Grande ABC
15/08/2010 | 07:06
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A enorme estrela branca que suportava o lustre central é praticamente a única peça intacta do Cine Teatro Carlos Gomes. Há exatos 85 anos, o prédio que ocupa o número 100 da Rua Senador Fláquer, no Centro de Santo André, dava vida a um dos cinemas mais antigos da região. Hoje, após mais de um ano e meio de interdição e história marcada por grandes momentos, evidencia os sinais do abandono. A promessa da Prefeitura para a famigerada revitalização, uma das bandeiras do governo Aidan Ravin, é que seus primeiros indícios apareçam em 2011.

Antigo palco de filmes, peças, shows e programas de auditório, a carcaça de 1.542 metros quadrados, com 704 lugares, hoje pode facilmente passar despercebida aos olhares de quem caminha pela região central. Vendedores ambulantes adornam o mesmo local usado em tempos remotos para a prática de footing, espécie de paquera em que as pessoas caminham em círculo para se conhecerem.

De meados de 1940 até a década de 1960, as sextas-feiras eram marcadas pela ‘sessão do amendoim', em que homens - e apenas eles, já que a presença feminina era proibida nesse dia - divertiam-se com filmes de faroeste. Aos domingos, as matinês tomavam conta da programação, lembrada com saudades pelo dentista Ronaldo Benvenga, 74 anos. "Ia todos os domingos, era um rito religioso", recorda ele, que aproveitava as três horas dispensadas no cinema para cortejar as moças. "Os rapazes circulavam em volta das cadeiras e alguns chegavam a engatar namoro", diz.

Outro antigo frequentador assíduo das matinês, o andreense José Duda Costa, 76, sente falta dos seriados que antecediam o filme. "Antes da exibição do longa-metragem, era apresentado um seriado, que sempre terminava com uma cena de suspense, um chamariz para retornarmos", detalha.

Noites de gala, com pessoas finamente trajadas, também marcaram a trajetória da quinta casa de espetáculos do País. O local sediou, entre outros eventos, os concertos da primeira orquestra sinfônica do município e a estreia do filme Floradas na Serra, a maior produção da Companhia Vera Cruz, com a presença ilustre de Cacilda Becker.

OUTROS TEMPOS
Da glória à decadência, o Carlos Gomes esteve prestes a ser demolido, no início de 1989, quando um movimento conservacionista interrompeu parte dos trabalhos. Durante quatro anos, chegou a funcionar como estacionamento e loja de tecidos, para em 1992 ser tombado pelo Condephapaasa (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André) e reinaugurado. A interdição completa veio em 2009, devido às más condições estruturais.

Aos antigos frequentadores, resta a esperança de que o local possa também marcar a memória de seus herdeiros.


Local será sede da orquestra
De um espaço repleto de problemas estruturais, como rachaduras, cupins e ausência de saída de emergência, para a grande sede da Ossa (Orquestra Sinfônica de Santo André). Isso é o que vislumbra a administração municipal para o Cine Teatro Carlos Gomes até o fim da gestão.

A ideia é retomar a vocação original do equipamento público, voltado a concertos - eruditos e populares - e ao cinema de arte, há muito tempo extinto da cidade. Do primeiro projeto de revitalização, desenvolvido em 1999, na gestão de Celso Daniel, para o novo plano, há um decréscimo de R$ 7,5 milhões no orçamento, que deixa de fora os espetáculos teatrais. "Desde que assumimos, fizemos vários contatos no sentido de captar recursos, mas as negociações não se concluíram. Nesse meio tempo, surgiu a possibilidade de outro projeto mais barato e de resultados tão efetivos quanto o primeiro. Só não contemplaremos a questão cênica, cujos rudimentos e concepção arquitetônica necessários onerariam o projeto", explica o secretário de Cultura, Esportes e Lazer, Edson Salvo Melo.

A reforma orçada em R$ 2,5 milhões engloba ainda a recomposição da fachada do prédio, com duas possibilidades, à escolha da população: a do início do século 20 e a da década de 1960. "Estamos estudando a possibilidade de uma escolha pública da fachada que mais marcou a memória andreense", revela Melo. Para receber os concertos, a sala deve ser submetida a um trabalho acústico, nos moldes da Sala São Paulo, na Capital.

Com a reabertura do espaço, parte da demanda do Teatro Municipal, que, de acordo com o secretário, está operando no limite, migraria para o Carlos Gomes, refletindo no aumento da oferta de espetáculos na cidade.

Workshops, laboratório para a Escola Livre de Cinema e Vídeo e espaço para exposições também estão dentro dos planos de uso do novo cine teatro.

A verba necessária para tal mudança deve ser financiada por meio da iniciativa privada, editais estaduais e federais e incentivos da Lei Rouanet. "No ano que vem vamos atacar com força total para assegurar os recursos e já iniciar alguma coisa", promete o secretário. A utilização de recursos municipais também não está descartada. (Karla Machado) 

Cronologia

1912
Fundação, na esquina da Rua Coronel Oliveira Lima com a Travessa Conde Arnaldi

1925
Mudança de endereço para a Rua Senador Fláquer, onde está até hoje

1987
Local é fechado e ocupado por estacionamento e loja de tecidos

1988
Fachada principal é destruída durante a noite

1990
Imóvel é declarado de utilidade pública pela Prefeitura

1991
É feito um acordo e local é desapropriado

1992
Cine Teatro é tombado pelo Condephapaasa e reinaugurado, com programação cultural

2009
Espaço é interditado devido a problemas estruturais, como rachaduras e cupins




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