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Duas mulheres
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
05/10/2011 | 07:46
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Um ‘cheiro' de Simone de Beauvoir e a revisão de 65 anos de vida pública. É nesse misto da biografia da filósofa francesa com a experiência de grande dama das artes cênicas brasileiras que Fernanda Montenegro traz de volta aos palcos Viver Sem Tempos Mortos. Depois de curta temporada em 2009, o monólogo baseado em escritos de Simone reestreia sábado, na Capital.

A atriz conta que descobriu a escritora aos 19. Desde então, tudo mudou. "Havia a confirmação: o mundo é desse jeito, agimos assim porque o mundo é assim. Daí chega o demônio dessa mulher e diz que é por que é por conta da deturpação de algumas coisas."

Para Fernanda, o papel da mulher também ganhou outros contornos a partir dos pensamentos de Simone. "O texto sintetiza mulher que ajudou a mudar o mundo a partir da metade do século passado. Simone projetou nas mulheres de hoje a audácia de ir ao primeiro plano da vida", acredita.

O projeto partiu de parceria com Sérgio Britto, na qual ela interpretaria Simone e ele seu amante, Sartre. "Mas daí ele tinha que fazer outro projeto e eu não podia jogar fora os dois anos de leitura e imersão."

Mais do que encontrar discurso sobre a existência da mulher, Fernanda viu na obra de Simone o reflexo de sua própria trajetória. Tanto que imagina que um encontro com Simone, morta em 1986, traria como conclusão recíproca que as duas tiveram uma "certa mesma memória". "Estou há 65 anos vivendo publicamente, passei por muitas horas de mudança de vida. Quando se chega à minha idade, tem sempre algo que faz com que você fique pensando em sua vida, ainda mais quando se usa uma potência de personalidade como a Simone. Vivemos períodos em comum."

Minimalista ao extremo, a montagem, que tem direção de Felipe Hirsch, traz ao palco apenas a atriz, uma cadeira e os refletores, numa encenação que Fernanda define como "uma leitura decorada, conversada". A experiência de ter circulado com a peça por teatros fora do circuito, nos subúrbios cariocas, endossou que Simone, apesar da filosofia e até do sobrenome pronunciado corretamente por poucos, é de fácil assimilação. "Estive com pessoas que se jogaram na vivência, na figura dessa mulher, e fizeram paralelos de suas vidas com a sua obra."

Para Fernanda, não é só a obra de Simone que é assim. "Existe vício de imaginar que certos temas não são interessantes, de que o público quer se divertir porque já sofre demais. Já fiz textos de Beckett, Racine, O'Neil e muitos outros na periferia do Rio. E com as pessoas chegando em excursão", conta a atriz, que acrescenta que a obra lhe deu dimensão da sua arte e da relação dela com o povo. "Esse espetáculo me confirmou que todo trabalho teatral que tenha proposta serve para qualquer pessoa. E que não se pode dirigir o que o povo pode ver."

Viver Sem Tempos Mortos - Teatro. No Teatro Raul Cortez - Rua Dr. Plínio Barreto, 285, São Paulo. Tel.: 3254-1631. 6ª, às 21h30; sáb., às 21h e dom., às 18h. Ingr.: R$ 80 (6ª e dom.) e R$ 100 (sáb.). Até 27 de novembro.




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