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Escritor espanhol lança na Fliporto 'O Impostor', que aborda farsa histórica
16/11/2015 | 08:00
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Enric Marco Battle é um catalão que nasceu em 1921, e que na virada do século 21 era presidente da principal associação espanhola que reunia deportados para os campos de concentração de nazistas durante a Segunda Guerra. Dava entrevistas regularmente, viajava o país fazendo palestras em escolas, e no início de 2005, tomou a tribuna do Parlamento espanhol e proferiu um discurso que arrancou lágrimas da plateia.

Anos antes, durante a transição democrática na Espanha (segunda metade dos anos 1970), ascendeu na hierarquia de uma das principais centrais sindicais do país invocando seu passado antifranquista e de combatente republicano na Guerra Civil (1936-39), e chegou a ocupar o posto de secretário geral da entidade na Espanha.

O problema é que tudo - bem, quase tudo - era mentira.

É uma equação com esses elementos que monta o escritor Javier Cercas no livro O Impostor, publicado pela Editora Biblioteca Azul, que o espanhol veio lançar na 11.ª edição da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto), em Olinda.

"Enric Marco é um grande gênio da mentira", diz Cercas ao jornal O Estado de S. Paulo, em um encontro numa pousada de Olinda no domingo, 15. O impostor foi descoberto em 2005 por Benito Bermejo, que apontou inconsistências em seus relatos.

No livro, que Cercas define como um "romance sem ficção ou um relato real", o escritor busca entender os motivos que levaram esse homem a mentir tão compulsivamente sobre o próprio passado - e acaba descobrindo, na verdade, uma metáfora poderosa, em primeiro lugar sobre a Espanha, que como todos os países tem sérias dificuldades em encarar o passado, bem como sobre todo mundo, porque, acredita, em algum grau estamos sempre em contato com a mentira.

"A literatura é uma espécie de hipérbole do que realmente somos", compara Cercas. "Macbeth é uma hipérbole monstruosa da ambição, Hamlet é da autoconsciência, Romeu e Julieta do amor romântico. Através delas, Shakespeare mostra como somos os seres humanos. Enric Marco é uma hipérbole da impostura, da mentira. É porque temos ambição, autoconsciência e amor romântico que aquelas obras nos fascinam e nos identificamos com ela, da mesma forma com que nos identificamos com Marco."

O romance usa duas frentes para refletir sobre o tema: uma delas é a própria história de Marco, que é incrível ("eu não precisava criar nada porque seria redundante", costuma dizer Cercas), e a outra são as reflexões do escritor sobre o seu direito moral de escrever o livro, sobre a relação entre passado e presente e sobre a falsidade de todas as coisas. Ele teria encontrado suas respostas? "Os livros que respondem perguntas são ruins", afirma.

Discípulo de Cervantes e amigo de Roberto Bolaño, Cercas usa a literatura para propor uma reflexão importante sobre o passado da Espanha - e por conseguinte, dos países do mundo ocidental - e sua relação com o presente. Uma frase que empresta de Faulkner se repete em O Impostor: "O passado é uma dimensão do presente". A questão de sermos todos incapazes de olhar frente a frente a própria história, diz Cercas, é uma questão de todos os países.

"Alguns fazem melhor, como os alemães, à força, mas cada caso é distinto. Na Espanha, a ditadura durou 40 anos. Os culpados já estão mortos. A maioria se conformou com o franquismo." Ele explica que no início do século 21 houve uma "explosão" da memória histórica - em que Enric Marco apareceu com mais evidência - e poderiam haver reparações importantes, desde derrubar monumentos do fascismo até reparar moralmente as famílias dos exilados e deportados. "Porém, se criou ali uma indústria da memória. Ainda não há reparação." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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