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Correr para onde?
Rodolfo de Souza
10/09/2015 | 07:00
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Ultimamente amargurado e repleto de rancor, se veste agora de orgulho verde amarelo este peito ao saber do navio de guerra canarinho que se deslocou quilômetros de sua rota só para resgatar um povo que se encontrava à deriva no mar, sem ter para onde ir, porque o minguado combustível de que se servia sua embarcação não era suficiente para se chegar a parte alguma. E a nau brasileira que fazia cruzeiro pelas redondezas, assim que recebeu o chamado, bravamente tratou de correr em socorro daqueles que buscavam o litoral europeu, sem muita chance de alcançá-lo.

Era uma pobre gente que deixara para trás casa, pertences, e toda uma história, para encarar a aventura de tentar conquistar a terra prometida, embora estivesse ciente de que o lugar já tinha dono e que este, por certo, não haveria de apreciar a sua visita.

Mesmo assim, partiu para o desespero, consciente de que nem tudo seriam flores nesta empreitada, cujo destino era o continente europeu, mais perto e consideravelmente mais abastado. Quem, afinal, não sonharia com um destino destes tendo passado a vida toda debaixo da miséria e da violência?

Por outro lado, o velho mundo viu-se, de repente, numa saia justa de dar dó. Passou a ser invadido diariamente por legiões de refugiados que, como aqueles, vinham de lugares que não deixam alternativa ao povo senão fugir, escapar de mala e cuia do terror para viver o sonho de refazer a vida em outras paragens, mesmo que a milhares de quilômetros de distância do lar. Lar que deixam para trás, para esquecer.

Todavia, é compreensível a angústia de quem se depara com levas de pessoas que chegam em casa para o almoço de domingo, depois seguem para o cochilo da tarde e deixam a louça para o anfitrião lavar. Mais triste do que isso, só a constatação de que a visita veio e se instalou em definitivo.

Em contrapartida, há muito o que se considerar na peleja que coloca crianças no palco do conflito. Há sempre crianças, diga-se de passagem, e a carinha delas nos milhares de fotos espalhadas pela internet é de cortar o coração e fazer qualquer mastodonte que habite este planeta se solidarizar com a sua causa.

Mas o velho sonho de deixar o inferno, inerente a qualquer ser humano, tende a gerar intolerância que já começa a dar sinais de que sua paciência se esgota, a despeito dos movimentos de solidariedade espalhados aqui e ali. Estabeleceu-se, pois, no jardim do éden, um impasse que dá o que pensar e o que falar e que resulta em muita chateação. Até porque o constrangimento vem estampado nos rostos de ambos os lados e o mal estar torna-se inevitável, uma vez que, verdade seja dita, populações vindas de outros países causam transtornos e alteram o cotidiano das pessoas que forçosamente acolhem o contingente que não é pequeno. Preconceito, exploração e desentendimentos são previstos. Sem contar com o fato de que a aceitação de toda essa gente por parte dos países europeus, abrirá um precedente que dará início a uma corrida desenfreada ao ouro e pessoas em situações penosas mundo afora verão ali a oportunidade esperada e formarão caravanas. É bastante razoável e não é difícil entender essa equação, já que o medo e a angústia de ver a prole em poder da barbárie, resultam em fuga para lugares que podem oferecer uma vida melhor. Até o Brasil, há algum tempo, convive com o fenômeno.

Fato é que tudo isso não chega a surpreender e os governantes de grandes nações dão de ombros diante do problema, aflitos por suspeitar que voltaremos a ser nômades, um dia.

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com 

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com.




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