Política Titulo Década sem Celso
Regionalidade é principal
legado de Celso Daniel

Prefeito de Santo André foi assassinado há 10 anos; ele
foi um líder que pensou muito além dos limites territoriais

Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
20/01/2012 | 07:02
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Há exatos dez anos, o Grande ABC perdia Celso Daniel, um líder que pensou muito além dos limites territoriais de Santo André, município que comandava pela terceira vez. O pensamento coletivo manteve a região como polo industrial e referência econômica no Brasil. Celso morreu, mas deixou legado vital às sete cidades: a regionalidade.

Eleito pela primeira vez em 1988, Celso falava de encarar os problemas de forma coletiva. Defendia que situações adversas sofridas por uma cidade produziam efeito no município vizinho. Três anos depois, fundou o Consórcio Intermunicipal, entidade de debate de assuntos regionais, como destinação de resíduos sólidos e preservação ambiental.

"Ele sabia como poucos planejar o futuro. Tinha senso único para pensar desenvolvimento da cidade, tanto na parte econômica quanto social", recorda Klinger Luiz de Oliveira Sousa, ex-secretário de Serviços Municipais, nome preparado para a sucessão de Celso.

Políticas sociais às quais Klinger se refere são bases das ações adotadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois mandatos à frente do Brasil. Celso criou programas de complementação de renda da população - que com Lula ficou conhecido como Bolsa Família -, urbanizou favelas, investiu em Saúde e Educação públicas e aprimorou o Orçamento Participativo. Promovia reuniões semanais em bairros, colhia depoimentos de munícipes, fazia questão de estar nos encontros. Respirava Santo André.

Para que a Prefeitura refletisse os anseios populares, Celso investia em capacitação profissional do funcionalismo. O petista foi maior defensor da chegada de uma universidade federal à região - que desembarcou apenas em 2006, com a UFABC. "Na cabeça dele, nenhum projeto avançava sem ter profissionais competentes para tocá-los", analisa a professora da UFABC Silvia Helena Facciolla Passarelli, que trabalhou no governo do petista.

Celso quebrou paradigmas no PT. Contestou o radicalismo ao garantir políticas consideradas neoliberais, como a privatização da Empresa de Transportes Públicos e a captação de recursos estrangeiros. O petista fomentou abertura de créditos internacionais que permitiram a projeção de planos audaciosos, como a Cidade Pirelli e o Eixo Tamanduatehy, que alocariam empresas junto à expansão de geração de empregos.

"Hoje temos gestores com potenciais de pensamento. Se juntarmos todos, podemos formar um Celso. Isoladamente, ninguém chegará nem perto do que ele foi", resume Maurício Mindrisz, superintendente do Semasa na gestão do petista e atual presidente da Fundação do ABC.


Prefeito seria protagonista no governo Lula

Em novembro de 2001, o então presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, confirmara que Celso Daniel seria o coordenador da campanha petista à Presidência da República. Naquele ano, a legenda preparara força-tarefa para chegar ao poder após três tentativas e Celso, com experiência bem-sucedida em políticas sociais de três mandatos em Santo André, seria a figura ideal para liderar a mudança de postura.

O prestígio dele era tão grande que tanto Lula quanto o senador Eduardo Suplicy - que disputavam prévias - elogiaram a indicação de Celso.

Após o anúncio, Celso dava mostras iniciais das bases em que o governo Lula se apoiaria. A intenção era mesclar crescimento econômico, políticas sociais, evolução da renda interna e expansão de acordos estrangeiros.

Na última entrevista concedida ao Diário, publicada no dia 12 de janeiro de 2002, Celso garantiu que atendimento ao cidadão seria prioridade na gestão petista. "É impossível estabelecer uma hierarquia de assuntos, mas em termos globais, a ênfase será para a questão social."

Petistas garantem que Celso seria o ministro do Planejamento. O cargo é ocupado por sua ex-mulher Miriam Belchior.

Pós-Celso, PT adotou tom moderado e deixou radicalismo

Celso Daniel não apenas revolucionou as metodologias de políticas públicas. Ele serviu de modelo para a mudança de postura do partido que ajudou a fundar em 1980, o PT. Desde sua ascensão, Celso - que era chamado de ‘tucano' - demonstrou a correligionários que o estilo moderado e aberto ao capital estrangeiro se encaixava com os ideais defendidos pela legenda.

O principal reflexo aconteceu em 2002. Derrotado três vezes consecutivas ao Palácio do Planalto com estratégia de enfrentamento radical aos governos em vigor, Luiz Inácio Lula da Silva alterou o tom de voz, passou a ser mais sereno em entrevistas e programas políticos e, ao lado de José Alencar - empresário bem-sucedido - levou o PT ao comando do País. Dilma Rousseff dá continuidade às gestões do antecessor seguindo a linha estreada por Celso.

Políticos como o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, o deputado federal José de Filippi Júnior e o pré-candidato do partido à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, possuem perfis semelhantes ao de Celso. A mutação de postura foi vista em figuras tradicionais do PT, como José Genoino e José Dirceu.

Político jogava basquete e lecionava

Mesmo após eleger-se prefeito, Celso Daniel não abandonou hobbies da juventude. Em fins de semana e depois do expediente no Paço, o petista era comumente visto em cinemas de Santo André, no ginásio Pedro Dell'Antonia jogando basquete com veteranos da Pirelli ou dando aulas de economia na PUC e de ciências sociais na Fundação Getulio Vargas.

"Achavam que o Celso era uma pessoa tímida. Na verdade, ele era reservado com quem não conhecia", conta Ivone Santana, que namorou Celso durante cinco anos. "Era alegre, gostava de cinema e fazia questão de jogar basquete", relembra. Em 2001, o prefeito foi campeão e cestinha do campeonato de veteranos.

Do relacionamento com Ivone nasceu Liora, recentemente reconhecida judicialmente como filha do petista - Celso nunca assumiu filhos.

Hoje com 26 anos, Liora afirma que a relação com Celso era "especial" e que não precisava de rótulos. "Não sei se ele me tratava como filha e também não sei se o tratava como pai. Sei que tínhamos uma relação especial e verdadeira."

Liora e Ivone vão desenvolver projetos para manter a imagem de Celso Daniel viva. O primeiro passo será evento hoje, às 18h30, na Fundação do ABC.

Petista era reservado ao comentar sobre a família

Reservado, Celso Daniel também foi comedido ao externar sua vida pública. O prefeito foi casado por dez anos com Miriam Belchior, entre 1983 e 1993, mas, mesmo após a separação, fez questão de manter a ex-mulher em suas gestões. Entre 1997 e 2002, Miriam chefiou as Pastas de Administração e Habitação.

Após o divórcio, Celso se relacionou com a socióloga Ivone Santana. Recentemente, a Justiça confirmou que Celso era pai de Liora Santana Daniel, filha de Ivone. O prefeito negava ter filhos.

Celso tinha quatro irmãos - João Francisco, Maria Elisabeth, Bruno Filho e Maria Clélia - e era filho de Maria Clélia Belletato Daniel e do ex-vereador Bruno José Daniel.




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