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Pedreira, o bairro esquecido de Rio Grande
Por Elaine Granconato
Do Diário do Grande ABC
16/01/2012 | 07:28
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Marina Brandão/DGABC


Localizado a aproximadamente quatro quilômetros da região central de Rio Grande da Serra, o bairro Pedreira é sinônimo de esquecimento, há décadas, por parte do poder público. A titularidade do terreno, de cerca de 660 m², é da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo. Ou seja, os 1.200 moradores estimados não pagam, por exemplo, o Imposto Predial Territorial Urbano à Prefeitura, motivo que afasta o interesse para investimentos no local.

"Aqui, só não somos abandonados por Deus", desabafou Célia Aparecida Ferreira, 40 anos, moradora há 25 anos. O mesmo sentimento de outros moradores entrevistados pela equipe do Diário. Para o aposentado por invalidez Luiz Eduardo Moreira, 45, o carente bairro é "esquecido pelos poderosos".

Eles apontam várias justificativas para o abandono. A começar pelo fato de Rio Grande da Serra estar centrada em 100% de área de proteção de mananciais. No caso da Pedreira, o bairro é considerado como área de compensação ambiental. O que impede a construção de moradias, pois deve ser preservado, apontou a Cohab.

Além das casas simples de alvenaria ou madeira e dos poucos comércios, a Pedreira, que na década de 1920 tinha a jazida de pedra bruta explorada pela Prefeitura de São Paulo, sofre hoje com a falta de equipamentos públicos.

O bairro possui única escola estadual, que atende crianças de Ensino Fundamental. Aos jovens do Ensino Médio, a alternativa é se dirigir para os bairros vizinhos, como Vila Niwa e Suzuki. "O que faz muitos jovens desistirem de estudar", confidenciou Debora Queijo, 21.

A Prefeitura de Rio Grande da Serra justifica a ausência de unidade de Saúde e escolas pelo fato de o bairro vizinho, a Vila Niwa, já possuir ambos os serviços. Pela proximidade, os pacientes e alunos da Pedreira frequentariam esses locais. Realidade contestada pelos moradores entrevistados pela equipe do Diário.

Não é só de Saúde e Educação que o bairro carece, mas principalmente de lazer, tão prometido por cada chefe do Executivo que passou pelo município. O ex-prefeito Ramon Velasquez, na época pelo PT, tinha o sonho de transformar a desativada área da Pedreira em parque ecológico para a prática de esportes radicais e pistas de caminhada. A ideia não foi levada adiante.

A Cohab informou que a Prefeitura, hoje comandada pelo prefeito Adler Kiko Teixeira (PSDB), tem interesse na área para fins ambientais e de lazer. Pela proposta, o município passaria a ser o responsável pela guarda e utilização da área de cerca de 500 mil m² por 100 anos de concessão.

O projeto é mais do que esperado pelas crianças e jovens do bairro. "Aqui não tem nada para fazer", afirmou, sem expectativa, Ingrid Rodrigues Moreira, 15.

 

Família Moreira guarda as lembranças dos tempos da jazida

A família Moreira é formada por ex-funcionários da Prefeitura de São Paulo que, até meados da década de 1970, trabalharam na pedreira. Dessa jazida foram retiradas as pedras para a pavimentação da Avenida Paulista, hoje o centro financeiro da maior capital do País e cartão-postal da cidade.

Com o fim da exploração por parte da Prefeitura, a área passou às mãos da Companhia Metropolitana Habitacional de São Paulo. Os imóveis que ali existiam, na época, só podiam ser ocupados exclusivamente por funcionários da administração da Capital. Atualmente, essa condição não existe.

No entanto, Luiz Eduardo Moreira, 45 anos de vida e de Pedreira, pai de quatro filhos batizados com nomes de personalidades importantes, representa esse passado até hoje no bairro.

Filho do ex-dinamitador da jazida José Moreira, morto há 35 anos, reside na Rua dos Trilhos, exatamente em frente à garagem de onde saía o trenzinho que interligava o bairro à estação de Rio Grande. Ali, o pai fazia o transporte de pedra e dos passageiros. "Andei muito de trem", recordou-se, com saudade, ao lado da mulher Elisabete, 32. (EG)

 

Artesã investe em material reciclado

Em atitude ecologicamente correta, Célia Aparecida Ferreira, 40 anos, investiu na criatividade garantir o sustento de seus três filhos - duas jovens de 21 e 25, e o pequeno de 2 anos e 6 meses. Há quase dois anos, a artesã da Pedreira usa tiras de vinil de estofados para fazer tapetes, cortinas, passadeiras, almofadas e cabeceiras de cama.

A matéria-prima reciclada surgiu de uma tecelagem que existia no bairro e alugava a garagem da residência de Célia para o estoque do material. Após um incêndio, a empresa deixou a cidade e, inclusive, as montanhas e montanhas de resíduos de tecidos.

"Pedi para Deus uma luz, afinal é um material que não se pode jogar no lixo. E comecei a pensar no que fazer com aquilo. E, aos poucos, costurando aqui e ali, criei essas tiras que transformo em tapetes e cortinas", contou a artesã. Ela trocou a estufa de restaurante em Ribeirão Pires, hoje vendido, por uma máquina de costura, e nunca se arrependeu, "Falta oportunidade de aqui trabalho no bairro", acrescentou. (EG)

 

Apagam-se os refletores, nasce o esporte radical...

O bairro Pedreira formou-se, como comunidade, em torno da pedreira que se supunha inesgotável e que deixou de ser explorada pela Prefeitura de São Paulo no início da década de 1970. Tentativas foram feitas para a reativação da atividade, sem êxito. No auge, a pedra obtida era utilizada em ruas da Capital. Uma história que remonta às primeiras décadas do século passado, quando a pedreira pertencia a particulares.

Registros de 1927 mostram que uma empresa de capital privado, a Companhia Mecânica, iniciava a exploração da pedreira. Em um segundo momento, no começo dos anos 1930, e por 40 anos, a pedreira passa ao patrimônio da prefeitura paulistana. Nos anos 1970, os 36 alqueires do filão da pedreira foram cedidos à Cooperativa Habitacional Metropolitana, que a manteve paralisada.

Essa paralisação motivou o encerramento das atividades do trenzinho folclórico que interligava o bairro à Estação Rio Grande da Serra, para o transporte de pedra e de passageiros, entre eles as professoras da escola do bairro. Em 1972, por ocasião da última viagem, o Diário realizou uma reportagem contando essa história.

O fechamento da pedreira não afastou os funcionários da municipalidade de São Paulo, que acabaram se aposentando e criando famílias no bairro, que viu a chegada de colonos japoneses para trabalhos agrícolas.

No auge de funcionamento da pedreira, entre os anos 1940 e 1960, o bairro teve uma comunidade organizada, com o Clube Atlético Beneficente Pedreira (1937), a capela Nossa Senhora das Graças (1949), os equipamentos depois paralisados, como as torres de iluminação do estádio, o coreto ao lado da capela, a bomba de gasolina que abastecia os veículos da pedreira.

O bondinho permaneceu por anos na garagem, enferrujando, até ser restaurado pela atual administração, que o deixou exposto longe do bairro, em escola próxima ao Centro. Sobraram as histórias, algumas por nós coletadas em 1977.

"O trabalho da pedreira era muito. Era comum a gente tirar pedra até as 10h da noite, debaixo de chuva. Naquele tempo chovia muito mais por aqui" (José Moia, operário nos tempos da Companhia Mecânica).

"O Beneficente Pedreira jogava à noite. Recebia times de Santos. Enfrentava equipes como o Ribeirão Pires e o Independente de Mauá, às vezes trazendo jogadores profissionais" (João Belo, ex-vereador nascido no bairro).

A vocação turística do bairro Pedreira, para a prática de esportes radicais, ganhou até vídeos e folhetos de divulgação mais recentemente. Talvez esteja aí a saída para preservar um recanto diferenciado do Grande ABC. (Ademir Médici)

 




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