A comparação é apenas uma das muitas que o irreverente ator vive criando para falar de seu trabalho, que inclui incursões pela literatura. Desde 1999, são três livros publicados pela Editora Bertrand Brasil: Os Infantes de Dezembro, de poemas, A Ilha de Sagitário, de contos, e Amanhã Eu Vou Dançar – Novela de Amor, um romance. A inspiração, seja escrevendo ou atuando, Calloni diz tirar simplesmente do dia-a-dia.
PERGUNTA - Por ser um personagem real, a composição do Chatô foi muito diferente dos demais papéis?
ANTÔNIO CALLONI - Não mudou muita coisa. É claro que a existência de uma referência concreta influencia um pouco. Mas, na medida em que pego um personagem que está escrito no papel, aquilo para mim passa a ser ficção. É claro que me baseei em características da personalidade dele e tentei me aproximar fisicamente o máximo possível, escurecendo os olhos com lentes, fazendo um bronzeamento, pintando o cabelo com um castanho mais escuro, mas sempre existe espaço para a recriação em cima deste personagem que existiu. Ou seja, eu não quero imitar o Chatô, quero passar a alma dele. Gosto sempre de dizer que tento fazer uma pintura, e não uma fotografia do personagem. A pintura é muito mais rica, porque posso dar meu depoimento pessoal, como ator, como artista.
PERGUNTA - Você teve algum receio de interpretar um personagem tão polêmico como Assis Chateaubriand?
CALLONI - Não, porque é justamente esta personalidade polêmica que faz dele um personagem tão rico. O que poderia haver de limitador no fato de ser um personagem real acaba tendo um efeito contrário exatamente porque são inúmeras variáveis. Ele é cruel e, ao mesmo tempo, manso, egoísta e generoso, extremamente violento e extremamente carinhoso, muitíssimo engraçado. Era um cara extravagante, muito vigoroso.
PERGUNTA - E ter de transmitir todas estas nuances não é assustador?
CALLONI - Minha maior preocupação com ele foi minha maior preocupação com qualquer outro personagem: a humanização. Se eu consigo transformar o meu Chatô numa figura real, se as pessoas acreditam que ele existe de fato naquela história, acho que o resto é conseqüência. No caso dele, o único cuidado a mais foi que, com esta personalidade tão peculiar, poderia ficar uma coisa meio folclórica. Mas a humanidade acaba com isso também.
PERGUNTA - O que mais costuma atrair você num personagem?
CALLONI - Não tenho nenhum critério objetivo para escolher meus trabalhos, mas acredito na minha subjetividade. Tenho de estar apaixonado pelo personagem.
PERGUNTA - Antes de aceitar um convite, você consegue enxergar num personagem a possibilidade de que ele “roube a cena”?
CALLONI - Honestamente, não tenho e nem nunca tive esta preocupação de roubar a cena, ou de fazer um papel crescer. É lógico que tomo esta “fama” como um elogio, mas não penso em nada além do prazer com o que estou fazendo. Eu quero me divertir. É só isso. E uma das coisas que me interessam muito é o ambiente de trabalho: quem são as pessoas que vão trabalhar comigo. Eu gosto de gostar das pessoas, de admirar as pessoas. Roubar a cena não passa pela minha cabeça.
PERGUNTA - O fato de também escrever ajuda?
CALLONI - Com certeza uma coisa influencia muito a outra. A arte da interpretação me ajuda a escrever da mesma forma que escrever me ajuda a atuar. Mas não é só com a literatura. Todas as artes se relacionam de maneira tão íntima que não há como negar a influência de um quadro que vejo, de uma boa música que escuto. No caso do artista, acho que o grande estímulo é a vida. As coisas não precisam ser muito profundas, são óbvias mesmo. Qualquer conversa é um material riquíssimo para qualquer coisa que eu venha a escrever ou interpretar. A vida é um material muito rico, basta comungar com ela, o que é muito difícil. Geralmente, a gente está tão preocupado com pequenas tensões que deixa de enxergar o que acontece em volta.
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