Após 61 anos afastada de sua função original, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz pode finalmente voltar a produzir grandes filmes, assim como fez de 1949 a 1954, quando enredos gravados em seus estúdios conquistavam plateias mundo afora – O Cangaceiro, dirigido por Lima Barreto em 1953, sagrou-se vencedor dos prêmios de melhor película de aventura e de melhor trilha sonora no Festival Internacional de Cannes. Pena que o projeto de retomada anunciado ontem pelo prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), esteja envolto por nuvens espessas de desconfiança.

Depois de adiar a solenidade em que assinaria contrato de concessão dos estúdios para a iniciativa privada, marcada originalmente para 29 de abril, eis que o político são-bernardense finalmente formalizou o ato. E eis que, com isso, inquietou quem se preocupa com o futuro do cinema. A empresa que venceu a licitação para gerenciar a Vera Cruz por 30 anos tem cartão de visitas nada recomendável.

A Telem SA (Técnicas Eletromecânicas) chega a São Bernardo depois de se envolver em episódio bastante nebuloso em Paulínia. Na cidade do interior paulista, em 2008, a empresa assinou com a prefeitura termo para a realização de parceria público-privada destinada o operar estúdio de cinema. Cinco anos depois, o TCE (Tribunal de Contas do Estado) apontou, entre outras irregularidades, direcionamento na concorrência, julgando o contrato irregular.

Não se pode dizer que a Telem vá trazer o know-how que acumulou em Paulínia para o Grande ABC, mas não deixa de ser preocupante que São Bernardo entregue patrimônio cultural tão importante quanto a Vera Cruz a empresa com histórico questionável. Que os órgãos de fiscalização fiquem atentos. A casa de artistas consagrados, como Adoniran Barbosa, Amacio Mazzaropi, Anselmo Duarte, Eliane Lage, Tônia Carrero e Ziembinski, merece ter sua história respeitada e preservada. Que o futuro dos estúdios se afaste do caricato teor das comédias-pastelão tão populares nos cinematografia nacional.