Cultura & Lazer Titulo
Uma década e meia sem Cazuza
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
07/07/2005 | 08:38
Compartilhar notícia


Era um sábado. O dia da semana em que toda boemia é tolerada pelo senso comum, como se os gatos tivessem hora marcada para reconhecer os telhados. Cazuza, no entanto, era indomesticável, um gato pardo que não consultava relógios nem convenções para deixar a toca. E era um 7 de julho como este, há exatos 15 anos, quando Agenor de Miranda Araújo Neto morreu, aos 32 anos, subjugado pela aids contraída cinco anos antes, a única força capaz de frear vida e arte felinas.

Pesava à época 38 kg, último saldo físico de um mal cujo tratamento ainda experimentava sua fase de testes. Uma debilidade semelhante à do baiano Raul Seixas ao fim da vida, um de seus ascendentes artísticos e comportamentais num país que ainda considerava Joplin, Hendrix e Lou Reed metástases que afligiam seu organismo social e precisavam ser extirpadas. Não os compreendia como um progresso irreversível de seus tecidos.

Por isso, tamanha estranheza de determinados setores, sobretudo aqueles caretas e covardes evocados no Blues da Piedade, quando Cazuza trouxe para a música brasileira Kerouac, Burroughs e Bukowski em sua obra neobeatnik.

Nascido a 4 de abril de 1958, Cazuza entrou pela porta da frente na música nacional. O pai, João Araújo, dirigia a gravadora Som Livre e teve participação efetiva no lançamento da carreira do filho, iniciada na banda Barão Vermelho ao lado de Roberto Frejat, Dé, Maurício Barros e Guto Goffi. Foram três discos e uma pequena porção de hits - Pro Dia Nascer Feliz, Bete Balanço, Maior Abandonado, Por que a Gente É Assim?. Deixou a banda em 1985, sob a alegação de ser "mais velho, mais louco e mais boêmio" que os demais. Sequer a formação clássica do rock'n' roll era suficientemente satisfatória.

Em carreira solo lançou cinco discos, entre os quais Ideologia e Burguesia. Cantava a catatonia de uma idade que nos anos 80 queria uma ideologia para viver, para a qual era tudo ou nunca mais, que enxergava burguesia e poesia como elementos inconciliáveis, embora tenha ele mesmo usufruído dos favores do mecenato classe média. De porta-voz de uma geração passou a alto-falante de um povo, quando em Brasil inquiria o nome do sócio no negócio dessa nação hipotecada. Foi tema de abertura de novela das oito (Vale Tudo), essa então instituição do bem-estar de uma classe, num período em que cuspiu na bandeira brasileira: um símbolo desrespeitado, não por ele, mas por quem o hasteia. Uma indignação ainda pouco compreendida, de tal modo que foi suavizada na cinebiografia Cazuza - Só as Mães São Felizes, de Sandra Werneck e Walter Carvalho.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;