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Iniciei o meu serviço no editor de texto do computador...

Rodolfo de Souza
04/06/2015 | 07:00
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Iniciei o meu serviço no editor de texto do computador. Tempos modernos estes em que a tecnologia é ferramenta indispensável em nossa vida. O mesmo diria, estou certo, o sujeito escritor que, habituado à pena, se vira, repentinamente, diante da esferográfica ou da surpreendente máquina de escrever. Limiar de uma nova era em que a cibernética começava a reinar soberana.

De qualquer modo, consistia a minha ocupação daquela noite na elaboração de relatório que eu deveria ter enviado antes e que as circunstâncias me impediram. Agora o enviaria por e-mail. Novamente algo que me reporta às modernidades do século 21. E-mail é palavra recentemente incorporada ao rico idioma praticado aqui na minha Pátria e cuja importância não posso me furtar do direito de comentar, assim como falo de mouse, do novíssimo verbo deletar, do esquisito clicar e de outros tantos de agora e do tempo em que era moda importar vocabulário por meio do cinema e da música.

Mas eu não estava autorizado a me perder em reflexões sobre as maravilhosas conquistas tecnológicas e verbais, naquele instante. Apesar de que sou assim, estou sempre propenso a considerar e comentar as coisas desta vida, sejam novas ou velhas, da moda ou fora dela. Apesar de que era necessário enviar o tal relatório a alguém que o aguardava para dele retirar informações essenciais para a conclusão de um trabalho importante. Estava, afinal, sendo cobrado pela demora em entregá-lo. Muito justo.

Era mesmo questão de honra fazê-lo. Talvez o tenha mesmo negligenciado ou tenha dado prioridade a outras prioridades, porque na vida tudo é prioridade. Fato é que ficou para trás aquele compromisso que agora me cobrava a consciência e a chefia.

Mas eu passara a noite anterior acordado, em companhia do pai moribundo, razão pela qual me pareceram pesadas as últimas horas que antecederam o começo do texto. Penso até que estive meio fora de sintonia aquele dia.

Desculpar-me-ia assim, era a minha intenção. Entretanto, a realidade se fez notar e impor a sua força ao convencer-me de que, de fato, eu me encontrava num estado de desânimo e pessimismo, ambos realçados pelo cansaço.

Mesmo assim, planejara chegar em casa, botar à prova o meu sono e redigir o tal relatório. É preciso relatar – me impunha a mente repleta de vocábulos vãos. Eu que amo escrever, haveria de me perder em meio às palavras que deveria, a priori, enviar para alguém. O que fazer? Vício meu que me acompanha nesta vida cheia de percalços e relatórios, é mais do que preciso para redigir texto literário ou técnico.

Pensamento a me encher de conforto naquele instante de suprema preocupação.

Entretanto, a noite boêmia me pregara peça quando cismei de me regalar num banho quentinho e, em seguida, numa janta, da mesma forma, reconfortante. Pronto, era o que bastava para arriar as pestanas bem diante do notebook (outro termo brasileiríssimo como café) ao ajeitá-lo para o trabalho.

Fui acordado no meio da madrugada num sobressalto que me fez disparar o coração. E o relatório? – alguém teria dito. Voltei, então, à realidade e à velha prancheta e me pus a elaborar caprichosamente o tal, esforço que me custou as últimas horas da noite aconchegante.

Sem rancor, trabalhei com afinco, anotando cuidadosamente os dados, procurando caprichar na boa e velha redação até, finalmente, ver concluída a primeira parte que deveria ser enviada imediatamente.

Entretanto, por puro capricho cibernético, a máquina achou de me desfeitear escondendo o meu trabalho. Entrei em pânico, lancei no ar milhares de inúteis impropérios e, sem outra alternativa, meti a mão na massa para fazê-lo novamente.

Claro que, ao final, o bom-senso eletrônico prevaleceu e o computador reconsiderou a sua atitude, devolvendo-me o primeiro relatório.

Desaforo. Nem precisava.

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com. 




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