Quem não sonhou em ser jogador de futebol?" Imortalizada pela música É uma partida de futebol, da banda Skank, a frase acima representa o sentimento de 998 jovens, de até 17 anos, que participaram da peneira promovida pelo São Bernardo, ontem. Mas alcançar o tão almejado sonho é bem mais complicado do que se espera.

Para assegurar a vaga, cada garoto teve apenas 20 minutos, tempo muitas vezes insuficiente. "Quem não passou não desista. Voltem outras vezes, teremos novos testes. Quanto mais vocês participarem, mais experientes vocês ficam", avisou a monitora Fernanda Regina Nunes, em campo no Nova Petrópolis.

O recado serviu como inspiração para Vitor Tavares da Silva, 13 anos, reprovado. Acompanhado pelo pai, o motorista de ônibus Aguinaldo Tavares da Silva, o adolescente saiu de São Mateus, Zona Leste de São Paulo, para realizar o teste em São Bernardo. "Quero ser jogador para comprar uma casa para meus pais", revelou o garoto, de olhar sério e concentrado antes da partida.

Porém, as qualidades se transformaram em nervosismo quando a bola rolou. "Faltou determinação, mas não vou desistir. Continuarei correndo atrás do meu sonho e sei que Deus ajuda quem se esforça", disse Vitor.

Edilson Morato teve melhor sorte. Aprovado para a segunda fase da peneira, ele - ao lado do primo - deixou Francisco Morato, onde mora, por volta das 5h30 para chegar em São Bernardo quase às 8h. E Edilson apenas veio porque seu tio pagou a condução. "Sempre sonhei em ser jogador de futebol, ser famoso, ganhar dinheiro", disse o adolescente, que já treinou na base do Paulista de Jundiaí. "Parei porque não tinha dinheiro do transporte", lembrou.

E ele espera ser mais uma história de garoto pobre que se tornou famoso, com uma ressalva: "Acho que uma mulher só está bom. Esses jogadores estão sempre trocando de mulher", brincou o menino, que já tem namorada, ou melhor: "Estamos apenas ficando. Ela não quer nada sério", disse o garoto de 13 anos.

A diretoria do Tigre não divulgou o número de aprovados, mas todos passarão por outra fase de testes antes de integrar as divisões de base.

Porte físico não é empecilho para adolescente

O porte físico não é de boleiro, mas nada impede Felipe Gonçalves de Jesus, 13 anos, de tentar ser jogador de futebol. Nitidamente acima do peso, ele recebeu elogios dos professores, mesmo não sendo aprovado na peneira de ontem.

"O peso não influencia, porque se ele tiver o dom de jogar, nós vamos trabalhar para ele chegar a uma condição física boa. O problema é que ele não foi bem hoje (ontem). Acho que ficou um pouco nervoso, mas faz parte", disse a professora Fernanda Regina Nunes, que dá aulas a Felipe no projeto Tigrinho.

O garoto prometeu realizar outros testes até conseguir passar. "Vou continuar tentando e sei também que preciso fechar a boca", brincou Felipe, que tem o apelido de Ronaldo, ex-jogador, e de Batata. "Meus colegas brincam, mas nunca tive problemas na escola. São todos meus amigos", completou.

Pais comparecem para dar apoio aos filhos

Assim como todos os testes envolvendo jovens, os pais estão presentes para dar apoio aos filhos, e ontem, em São Bernardo, não foi diferente. O estudante Gustavo Hsky, 14 anos, foi acompanhado de sua mãe, Aline Hsky.

"Sempre estou à disposição do meu filho. Vou às peneiras para dar apoio e incentivá-lo", destacou Aline, que mora na Chácara Inglesa, em São Bernardo.

E ela já foi importante para o filho, que foi reprovado no teste do Santos. "Lembrei para ele que o Cafu (ex-jogador) precisou passar por nove peneiras até conseguir a aprovação no São Paulo. Depois, ele levantou a taça da Copa do Mundo de 2002 pela Seleção", recordou Aline. "As peneiras têm critérios e, algumas vezes, ele não se encaixa neles. É absolutamente normal", completou.

Apesar do apoio, Aline garante que existe a cobrança ao filho sobre os estudos. "Tanto eu como meu marido falamos para o Gustavo da necessidade de realizar cursos, principalmente técnicos em escolas como o Senai, caso não consiga seguir em frente com o futebol. Não pode ficar somente na dependência do futebol", lembrou a mãe.

Gustavo entendeu o pedido dos pais, porém, garante que, ao menos por enquanto, pensa apenas em atuar dentro das quatro linhas. "Hoje, meu objetivo é ser atleta. É o meu sonho", garantiu o jovem.

O motorista de ônibus Agnaldo Tavares da Silva, pai de Vitor, também concordou com Aline. "O que eu cobro do meu filho é na escola pegando firme no estudo. Isso não pode deixar de fazer. Já o futebol, ele tem que fazer por onde. Faz a parte dele que eu ajudo com a minha", explicou o pai, posicionado ao lado do filho. Quando o menino foi chamado pelos instrutores, ele foi menos duro. "Eu faço tudo por ele", completou.

Portões fechados nos treinos do Tigre

As duas derrotas seguidas e a proximidade com a zona de rebaixamento do Paulistão deixaram o clima no São Bernardo longe do agradável. O presidente Luiz Fernando Teixeira revelou que terá reunião com o grupo hoje para falar da situação da equipe e que o técnico Estevam Soares fechará os treinos para a imprensa nas próximas duas semanas.

"Vou falar com o elenco olho no olho. Vou cobrar profissionalismo porque temos estrutura que alguns clubes não têm. Nunca atrasamos um mês de salário. Eles estão aquém da capacidade deles e do próprio São Bernardo", criticou o dirigente, que justificou os portões fechados: "Teremos dois clássicos regionais (sábado contra o São Caetano, no Anacleto, e diante do Santo André, dia 9) e o Estevam Soares não quer olheiros e nem a imprensa observando os treinamentos."

Segundo o dirigente, o treinador deve realizar mudanças no time depois das derrotas para o Botafogo e Americana. "Nos reunimos hoje (ontem) de manhã e avaliamos os últimos duelos. Agora teremos a semana cheia e ele (Estevam Soares) poderá treinar as alterações necessárias", afirmou Teixeira.

O presidente mantém a confiança na equipe - 16º colocada, com 15 pontos, o mesmo número do Ituano, primeiro da zona de rebaixamento. "Estamos apreensivos com nossa situação, mas ainda dependemos somente das nossas próprias forças", completou.