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Marisa Monte participa de lançamento de CD da Portela
Do Diário do Grande ABC
07/02/2000 | 16:04
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Foi um pagode daqueles de entrar para a história. Como no tempo em que pagode dava nome a uma reuniao, quase sempre nos quintais dos subúrbios, em que se comia muito bem (em quantidade e qualidade), fazia-se um samba melhor ainda, tudo regado a muita cerveja. A festa na tarde deste domingo, numa vila em Oswaldo Cruz, na Zona Norte do Rio, era o lançamento do disco Tudo Azul, da Velha Guarda da Portela, que a cantora Marisa Monte produziu e está lançando como primeiro título de seu novo selo, o Phonomotor.

O pagode foi uma prévia do show que Marisa e a Velha Guarda vao apresentar no Canecao, no próximo fim de semana, no Olimpo, casa noturna da Penha, no seguinte, e em Niterói e Sao Paulo, antes do carnaval. É o mesmo show que o grupo vem fazendo há 30 anos, só que agora com produçao de gravadora, a EMI-Odeon, que, no entanto, nao aprontou a bolacha a tempo do lançamento. Mesmo assim, Marisa está animada com o novo selo.

"Meu disco, que sai em abril, também virá por esse selo e será um dos muitos projetos que tenho para ele", adiantou ela. "Gravo com a Velha Guarda desde meu primeiro disco e produzi-los era um projeto antigo", disse.

Velha Garda - O carinho de Marisa Monte pela Velha Guarda da Portela nao vem de hoje nem de quando ela começou a cantar profissionalmente algumas de suas músicas (Preciso te Encontrar, de Candeia, e Esta Melodia, de Bubu da Portela, entre elas). Marisa praticamente cresceu dentro da escola de Madureira e os portelenses eram visitas constantes em sua casa, já que seu pai, Carlos Monte, foi diretor da agremiaçao e freqüentador assíduo (ainda é) de rodas de samba. "Eu me lembro de ouvi-los cantar lá em casa, quando era pequena, mas o Argemiro diz que me pegou muito no colo", dizia ela entre os músicos.

No clima do grupo - Da convivência à idéia de fazer o disco foi um pulo. "Quis ter selo próprio para fica independente, fazer meus projetos sem ter de submetê-los ao departamento artístico de uma gravadora", explicou Marisa, pouco antes de comer a divina feijoada servida por Surica, pastora do grupo (para os menos avisados, pastora é backing-vocal de samba), que abriu sua casa para o lançamento. "Gravei o disco para recuperar certas músicas que só estavam registradas na memória das pessoas e se perderiam se nao fossem gravadas já".

O disco tem 18 faixas, com 12 músicas e 6 vinhetas. "Sao composiçoes já gravadas, ou mais conhecidas, que quisemos gravar só com o compositor e um acompanhamento mais simples, para registrar o clima do grupo", explicou a cantora. "As outras foram escolhidas segundo um critério: a vontade da Velha Guarda de gravá-las e a necessidade de um registro antes que se percam". Mas nao foi tao simples assim. Afinal, a Portela fica em Madureira - e se o samba nao nasceu nessa área da Zona Norte foi lá que se criou e ganhou o mundo.

Além da escola azul e branco, é lá que ficam também a Império Serrano (no Morro da Serrinha) e, bem do lado, a Irajá, onde os pagodes de fundo de quintal brotam aos montes a cada quarteirao. Sendo assim, Marisa armou-se de gravador, dois pesquisadores e muita vontade de passar horas e horas com os compositores e garimpar sambas que todo mundo cantava, ninguém tinha gravado, mas precisavam ser mais conhecidos.

"Chegamos a cerca de 300 músicas e houve várias seleçoes até chegarmos às 18 que estao no disco, nao sem um certo sacrifício, porque o material, mesmo peneirado, dava para mais uns dois ou três", contou ela. "Na hora de fazer os arranjos, respeitamos o jeito deles tocarem e cantarem porque velha-guarda é isso mesmo, nao basta estudar para saber o que é, tem de viver, conviver e perceber o que e como está conhecendo".

Os arranjos foram de Paulao, que, coincidentemente, gravava, na mesma época, há cerca de um ano, um disco semelhante só que com os compositores antigos da Mangueira, para o Arquivo Geral da Cidade do Rio, que ainda nao foi lançado comercialmente.

Pérolas - No disco da Velha Guarda da Portela, nem todas as músicas sao inéditas ou totalmente desconhecidas. Beth Carvalho já havia gravado Minha Vontade, de Chatin, e Monarco fez um certo sucesso com O Lenço, de sua autoria. As outras sao pérolas que Marisa distribui para o público com generosidade só igualada à de Paulinho da Viola, que inventou a Velha Guarda como grupo musical, em 1970, para gravar um disco, Portela Passado de Glória, bem no astral deste de agora.

Foram necessários 30 anos para o público ter acesso a um novo produto fonográfico dos sambistas de raiz, já que seus outros dois discos foram gravados por um japonês e lançados só do outro lado do mundo. Por tudo isso, a festa de domingo foi um pagode para ninguém botar defeito. Paulinho da Viola foi e, elegantemente, nao admitiu que Marisa continuava um trabalho (ou seria missao?) iniciado por ele.

"O que temos aqui é um tipo de samba, um jeito de bater o pandeiro e o tamborim que só eles podem guardar e transmitir para as novas geraçoes", esquivou-se ele. "E o bonito é que nao há barreiras de idade para ser velha-guarda: basta ter essa chama em si e gostar do samba".

Musicas - Paulinho gravou o samba que dá nome ao disco, Tudo Azul, de Ventura, a convite dos próprios integrantes da Velha Guarda. Marisa cantou outra faixa, Volta, Meu Bem; Zeca Pagodinho fez mais uma; e Cristina Buarque, outra. As demais sao só com os integrantes do grupo: as pastoras Doca, Aurea (filha de Manacéia, autor de Quantas Lágrimas e integrante do grupo até morrer) e Nice.

E os rapazes Davi, Cabelinho,Casquinha, Monarco, Serginho (filho de Serginho do Cavaco, que entrou no lugar dele) Guaraci, Seu Jair e Casimiro (apelidado pelos amigos de Leao da Cuíca). O disco chega às lojas ainda esta semana, se nao houver nenhum atraso da gravadora, mas nao fica só nisso. A Conspiraçao Filmes pegou carona na onda da Marisa Monte e, até o fim do ano, deve lançar um vídeo sobre o grupo.




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