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'Carecas': Regina Saran recomeça a vida após 2 anos de prisão
Samir Siviero
Do Diário do Grande ABC
30/03/2002 | 16:05
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A dona de casa Regina Saran, 23 anos, foi absolvida na noite de quarta-feira da acusação de homicídio contra o adestrador de cães Edson Néris da Silva, que foi espancado até a morte por um grupo de Carecas do ABC em 6 de fevereiro de 2000, na praça da República, em São Paulo. Ela foi a primeira ré do processo absolvida de todas as acusações, que ainda incluiam tentativa de homicídio e formação de quadrilha.

Um dia após o julgamento, Regina, que mora em Santo André, contou em entrevista ao Diário como viveu nos dois anos em que ficou na cadeia por causa da acusação, qual a reação ao rever o filho de 3 anos, já em liberdade, e quais são os seus planos para o futuro. Casada com o segurança Henrique Velasco, um dos réus e que ainda não foi julgado, ela reafirmou que nunca teve qualquer envolvimento com o grupo e que confia na Justiça.

Regina disse que foi agredida, chegou a entrar em pânico e até tentou o suicídio. Hoje pretende escrever um livro para relatar o que viveu nesses dois anos e acredita que terá de se submeter a um tratamento psicológico para superar o que passou.

DIÁRIO – Qual foi sua reação quando o juiz anunciou que você havia sido absolvida de todas acusações?

REGINA SARAN – Fiquei aliviada. Apesar de ter ficado dois anos presa por um crime que não cometi, sinto que posso confiar na Justiça e no trabalho do meu advogado. Acharia uma injustiça eu continuar presa sem ter participado do crime. Estou com minha cabeça e coração tranqüilos hoje, e o melhor é que posso falar isso em liberdade e perto do meu filho.

DIÁRIO – Por que você acha que ficou presa esses dois anos, se sempre soube que era inocente?

REGINA – Fiquei presa porque ninguém assumiu participação no espancamento quando fomos presos. Meu marido, que também não bateu em ninguém, até pensou em assumir o caso só para que eu fosse solta, mas não deixei. Ele assumiria tudo sozinho sem ter feito nada e as pessoas que realmente espancaram o adestrador seriam soltas, como alguns foram. Entre o primeiro grupo que ficou preso, alguns que participaram da agressão foram liberados e pessoas inocentes como eu e meu marido ficamos presos. Aliás, um dos condenados não teve participação e ficará preso por toda a vida. Acho que nosso erro foi não ter assumido que estávamos na praça logo no início e ter aceitado o pacto de silêncio que fomos obrigados a fazer quando estávamos na delegacia.

DIÁRIO – Em março do ano passado você disse que ficou com medo de ser acusada depois que José Nilson Pereira da Silva e Juliano Filipini Sabino foram condenados a 21 anos de detenção cada um. Qual deles é inocente? Você viu a agressão para saber se essa pessoa não participou, ou sabe quem agrediu?

REGINA – O José Nilson é inocente. Sei que ele não participou pelo que os outros acusados disseram, mas não posso acusar ninguém porque realmente não vi, fiquei de longe junto com meu marido. Inclusive, gostaria de esclarecer que meu marido foi mais perto da briga porque tem problema de vista, que se agravou nesse período em que está preso e ele está quase cego.

DIÁRIO – Como foi o período em que ficou presa? Você era perseguida ou foi agredida por estar estigmatizada como uma pessoa racista?

REGINA – Fui para a cadeia como uma pessoa que não gostava de homossexuais, negros e nordestinos. Fiquei esse tempo todo na cela de triagem da Cadeia de Pinheiros sem poder tomar banho de sol ou ver pessoas, tratada como se eu fosse bicho. Se eu ficasse nas celas comuns acho que seria morta, tanto que fui agredida por uma presa, mesmo estando na cela de triagem. Tenho sorte de estar viva hoje.

DIÁRIO – Em algum momento você perdeu a esperança de sair da cadeia? Teve algum momento de pânico?

REGINA – Cheguei num momento de total desespero e tentei me matar. Ingeri vários remédios que eu tomava para dormir e, se não fosse uma colega de cela, eu teria morrido. É muito angustiante ficar o tempo inteiro dentro da cela sem fazer nada e tive essa recaída, mas o tempo todo eu pensava no meu filho e isso me deu força para superar esse tempo que fiquei presa.

DIÁRIO – Você pretende entrar com uma ação indenizatória contra o Estado por ter ficado dois anos presa?

REGINA – Ainda não conversei com meu advogado sobre isso, mas devo processar o Estado porque são dois anos da minha vida. Aliás meu, do meu marido e do meu filho. Eu e meu filho teremos de fazer um tratamento psicológico porque quando saí na rua fiquei com medo das pessoas e meu filho também sofreu com isso. Acho justo o Estado pagar por isso. É estranho, mas você se acostuma em estar do lado de dentro da cadeia.

DIÁRIO – O que você pretende fazer de agora em diante?

REGINA – Quero terminar o ensino médio e depois cursar Direito, porque peguei gosto por justiça. Também quero passar muito tempo com minha família e meu filho, tratar dele porque perdi dois da sua formação. Também pretendo escrever um livro para contar como era minha vida e o que aconteceu comigo nesses dois anos.

DIÁRIO – Você tem notícias do seu marido? Continuam casados?

REGINA – Continuamos casados. Eu sempre falava com a minha sogra para saber dele e sei das dificuldades que ele tem passado na cadeia. Ele está separado dos outros acusados do caso, justamente porque não é bandido, ele era simpatizante do grupo, só isso.

DIÁRIO – Seu marido teve participação na agressão? Ele tem uma tatuagem em que o liga aos skinheads?

REGINA – A tatuagem é uma coisa de moleque que eu não gostei. Ele conheceu os carecas por Vanderlei Cardoso de Sá (que no mesmo julgamento de Regina foi condenado a 19 anos e meio de prisão), que era seu colega de trabalho, mas ele tinha saído poucas vezes com o grupo, só que naquela noite cismou que queria sair com eles. Tanto que me deixou cismada e eu resolvi ir junto e deu no que deu, mas ele não teve participação no espancamento, ele estava junto comigo. Se o Henrique tivesse culpa ele teria assumido só para me tirar da cadeia.

DIÁRIO – Você assumiu uma decisão difícil em manter seu advogado após seu julgamento ser cancelado no mês passado, quando o juiz considerou a defesa fraca. Alguém te apoiou nessa decisão?

REGINA – Foi uma decisão só minha. Até minha mãe ficou com medo, mas eu tinha confiança nele e deu certo. Quero agradecer a ele e também aos jurados que participaram do caso porque entenderam que eu não sou uma criminosa.




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