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Memorial expoe obras do uruguaio José Gurvich
Do Diário do Grande ABC
14/03/2000 | 15:51
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O Memorial da América Latina mostra a partir desta quarta-feira à noite, o trabalho do uruguaio José Gurvich, um dos mais importantes artistas plásticos do Uruguai neste século. Com mais de 90 obras, a exposiçao traça a história de Gurvich desde suas primeiras experiências no ateliê de Joaquín Torres García, no qual ingressou em 1945, até os últimos trabalhos realizados em Nova York, pouco antes de sua morte prematura, em 1974.

Essa retrospectiva, que depois de Sao Paulo seguirá para o México e os Estados Unidos, é fruto de uma pesquisa da curadora Alicia Haber, iniciada em 1998 para as comemoraçoes de 25 anos de morte do pintor e que já resultou em uma mostra de desenhos e pinturas em pequeno e médio formato, exibida em Montevidéu e Buenos Aires. Agora, chegou a vez de os brasileiros descobrirem - ou redescobrirem - sua obra.

Apesar de estar intimamente ligado ao desenvolvimento da arte uruguaia, tendo sido um dos mais fiéis seguidores de Torres García e, depois, traçado seu caminho estético, Gurvich era lituano e mudou-se para Montevidéu com apenas 5 anos. Seus pais eram judeus pobres e vieram para a América Latina fugindo da miséria e da intolerância religiosa. Aliás, a questao do judaísmo tem uma presença importante em sua obra.

Com o intuito de apresentar a arte de Gurvich a um público que ainda nao está familiarizado com ela, a curadora optou por organizar uma exposiçao bastante didática, segmentada de acordo com os principais momentos criativos do artista. A mostra tem início com os trabalhos do ateliê de Torres García, nos quais se nota a evidente presença de uma escola, uma filiaçao voluntária ao universalismo-construtivo do mestre do modernismo uruguaio.

"Mesmo assim, nota-se em sua obra alguns elementos pessoais, como o uso da cor, da espiral e da ortogonalidade", ressalta Alicia. Ela lembra que, segundo o próprio Torres García Gurvich era um dos membros mais imaginativos de seu ateliê. Essa primeira década de produçao deve ser mais familiar para o público brasileiro, que já teve várias oportunidades de entrar em contato com o legado de Torres García.

Mas os ecos dessa adesao voluntária a um projeto coletivo vao arrefecendo em sua produçao durante os anos 50 para culminar num rompimento na década seguinte. O Atelier Torres García fecha definitivamente suas portas em 1963 e Gurvich volta definitivamente seus olhos para o mundo. "Ele morou por três ocasioes em Israel e fez muitas viagens à Europa, onde descobriu toda a história da arte", conta Alicia. Como nao teve educaçao artística formal, tendo sido obrigado a trabalhar desde jovem para ajudar a família, Gurvich encantou-se com o que descobriu nos museus europeus.

É possível notar em seus trabalhos a influência de vários mestres, de Bosch a Chagall, de Miró a Goya. Ele também se encantou com a arte cinética e desenvolveu alguns trabalhos inspirados na op art de Vassarely. "Ele toma todas essas referências, passa por um filtro e transformá-las em algo completamente diferente", explica a curadora. E acrescenta que "esse sincretismo de influências talvez sintetize toda a arte latino-americana".

Essência - Outra característica curiosa da produçao de Gurvich é que por mais que esteja lidando com temas tristes ou terríveis - como os pogrom -, sua obra sempre tem um tom positivo. "É como se ele sublimasse as tragédias, buscando o essencial que existe além delas", concorda Alicia. Alguns temas constantes e uma forte tendência narrativa permeiam toda a sua produçao.

Além das séries sobre o judaísmo, ele retoma com freqüência as telas sobre casais. Povoadas por grandes figuras hipertrofiadas que se abraçam e parecem conter o mundo em si, essas telas têm muito do espírito de universalista e simbólico de Torres García. Os casais sao muito comuns no seu trabalho entre 1965 e 1969 que, de acordo com a curadora, constitui sua melhor fase. Nesse período, sua produçao assume uma riqueza e uma diversidade impressionantes.

Gurvich trabalhava com uma intensidade impressionante, dormia muito pouco, como se tivesse uma urgência de pintar. Era como se ele adivinhasse que viveria pouco. Quando morreu, aos 47 anos, estava para realizar uma grande exposiçao no Museu Judeu de Nova York, tinha uma série de projetos para realizar suas primeiras esculturas e prometia entrar numa nova etapa de sua produçao artística. "Universal, uruguaio, judeu, Gurvich deixou um legado fluído e sincrético, baseado em uma nova criaçao de múltiplas tradiçoes", conclui Alicia.




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