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Livro conta história do carnaval de SP
Do Diário do Grande ABC
25/02/2000 | 15:44
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O carnaval de Sao Paulo tem história? Ou é apenas uma imitaçao da festa, mais famosa internacionalmente, do Rio? A segunda hipótese é a mais normalmente adotada. Mesmo por gente do samba de Sao Paulo. Um pouco porque nao há quase nenhuma informaçao sobre o carnaval paulistano e um pouco porque é mais cômodo deixar as coisas como estao, pouca gente - incluam-se historiadores e jornalistas - tomou a sério dar a nova versao.

Foi o desafio que se impôs Nelsinho Crecibeni, funcionário público de profissao, diretor da Uniao das Escolas de Samba Paulistanas (Uesp), vice-presidente da Federaçao das Escolas de Samba e realizador de enredos para diversas agremiaçoes, desde 1969, quando começou na Império do Cambuci (a escola tirou o primeiro lugar, em 1976, com seu enredo Manoa, Um Sonho Dourado, com samba composto por Nilton Oxalá e Benê do Império).

Nelsinho criou enredos para outras agremiaçoes e, embora nao tivesse desde 1969 a intençao, já estava, naquele momento, escrevendo, recolhendo dados para o livro Convocaçao Geral - A Folia Está na Rua - O Carnaval de Sao Paulo Tem História de Verdade. O lançamento, em noite de autógrafos, será no dia 1.° , a partir das 18 horas, no Centro de Memória da Uesp (Rua 13 de Maio, 855). O volume custa R$ 25,00.

Em tempo: nao custa lembrar que o livro definitivo sobre o carnaval carioca - A História das Escolas de Samba do Rio de Janeiro -, foi lançado há pouco mais de dois anos, escrito por Sérgio Cabral, reunindo anotaçoes feitas durante 40 anos de trabalho jornalístico tendo o samba e o carnaval como principal assunto. A falta de memória é nacional, nao regional.

Nelsinho Crecibeni é, hoje responsável pela convocaçao e formaçao dos jurados do carnaval paulistano. Por formaçao de jurados entenda-se uma espécie de curso, em que os convocados sao informados sobre o significado dos diversos quesitos em julgamento - a ala das baianas, o mestre-sala e a porta-bandeira a comissao de frente e assim por diante. Foi um curso criado em Sao Paulo em 1985. Só no ano seguinte o carnaval carioca adotaria procedimento semelhante.

Bom conselho - Quando começou a fazer enredos, Nelsinho Crecibeni ouviu do teatrólogo Plínio Marcos: "Fale da sua terra da festa na sua terra, nao fique fazendo referências só às figuras do mundo do samba de outros lugares." Otimo conselho, mas onde procurar informaçoes? Nelsinho descobriu que nao havia um banco de memória, uma biblioteca sobre a festa e seus personagens.

Ele recorreu aos jornais. Mas houve um tempo em que os jornais nao falavam do carnaval. Foi aos arquivos estaduais. Começou a coletar dados, montar a história. Encontrou as primeiras notas a respeito do entrudo nas Atas da Câmara, lavradas em sessao de 13 de fevereiro de 1604. Os entrudos eram - aqui como no Rio - apontados como "atos atentatórios aos bons costumes sociais" e, caracterizados pela violência, deveriam ser proibidos. Mas eram tolerados. E seguiam pela regiao nobre da cidade.

"Sao Paulo, por essa época, era um lugar pobre, crescia lentamente, a cidade era um emaranhado de ruas de terra batida, tortuosas, cheias de pequenas casas de pau-a-pique", escreve Nelsinho. "A populaçao contava com pouco mais de 20 mil habitantes: os mais ricos moravam nas ruas do Rosário, Direita e Sao Bento, que formavam o chamado 'triângulo'; as casas localizadas no caminho das procissoes eram as de mais alto preço no mercado; o cerimonial da igreja constituía forte vínculo a unir os interesses da comunidade."

Por outro lado, as manifestaçoes culturais de origem negra ou indígena eram reprimidas - os moçambiques, congadas e batuques eram proibidos. Nao há notícia, até o início do século 19, de sociedades recreativas formadas ou dedicadas aos negros.

Só em 1933 apareceu, na Câmara, um pedido de licença para realizar, no dia 6 de janeiro, uma "dança de pretos", no Pátio da Igreja do Rosário na Rua, hoje, Sao Bento - Nossa Senhora do Rosário é a padroeira dos homens pretos. Conta Nelsinho: "Ali, depois do ofício religioso, membros da irmandade, com vestes coloridas, e ao som de tambores, reuniam-se para uma dança animada; em seguida, o 'rei' e a 'rainha' iam para casa e ofereciam um suntuoso banquete para os membros de sua corte; cada um adotava um título famoso do império; aos músicos, que ficavam na rua, eram distribuídas bebidas em profusao." Mas o primeiro baile carnavalesco foi organizado pela Sociedade Emancipadora Piratininga, em 1850.

Abolicionista, a Sociedade foi pioneira em promover desfiles com negros alforriados e carros alegóricos que faziam crítica política. Outras sociedades surgiram, no rastro: o Clube Familiar, o Grupo Cristianismo, o Grupo dos Zuavos, os Anoes Chineses e o Exército D'Africa aparecem em reportagem do Correio Paulistano de março de 1857. Na década seguinte, o Teatro Sao José criaria seus bailes de máscaras.

Surgiram as grandes sociedades, os corsos, enquanto os mais pobres - notadamente as colônias italiana e espanhola - desfilavam a pé, nos ranchos. E os negros do Glicério, do Bixiga e da Barra Funda criaram os cordoes, que surgiram no início do nosso século. Desfilavam como se em procissao. Nao tinham enredo mas um tema. "Desfilavam com abre-alas, balizas, porta-estandarte, rei, rainha, um grupo feminino, ao som de conjuntos instrumentais de corda e sopro", narra Nelsinho. Os tambores eram batidos quando o desfile parava.

Vai-Vai - O Cordao Carnavalesco e Esportivo Vai-Vai, matriz da escola, foi oficialmente fundado no dia 1.º de janeiro de 1930. Cinco anos depois se realizou o primeiro carnaval oficial da cidade. Camisa Verde e Vai-Vai apareciam na categoria de cordoes de 35 a 50 pessoas. Nao foram premiados pelo júri, que tinha Menotti Del Picchia como um dos julgadores.

Veio da Pompéia a primeira escola de samba - chamada, devidamente, Escola de Samba Primeira de Sao Paulo, criada em 1935, liderada por Elpídio de Faria. Palavras de Elpídio: "A nossa demonstraçao conjuntamente com as entidades da Federaçao das Pequenas Sociedades, nao podia atingir o brilho esperado, porquanto, espremida entre dois cordoes, com orquestra poderosa, nossa bateria especializada foi tristemente abafada." Elpídio fazia, no Correio Paulistano, em 1936, uma queixa que ainda hoje se faz: reclamava da "novidade" de fazer a escola de samba desfilar pela rua, quando seu verdadeiro lugar seria um barraco, um terreiro.

Mas o desfile das escolas de samba de Sao Paulo só foi oficializado em 1968 - e só nesse momento o enredo apareceu (havia um samba-tema, mas outras músicas, sambas de meio de ano, marchinhas, eram cantadas ao longo do desfile). Nelsinho lembra que a primeira tentativa de oficializaçao dos desfiles das escolas data dos anos 50. Mas foi em 1968 que se ergueram as primeiras arquibancadas e iluminaçao foi providenciada para dar brilho ao desfile. As escolas de samba que desfilaram: Nenê de Vila Matilde, Unidos do Peruche, Lavapés, Unidos de Vila Maria, Acadêmicos do Tatuapé, Império do Cambuci, Folha Azul dos Marujos, Morro da Casa Verde, Primeira de Santo Estêvao, Acadêmicos do Peruche, Acadêmicos do Ipiranga, Príncipe Negro e Estrela Brilhante. Vai-Vai, Mocidade Alegre e Camisa Verde e Branco ainda eram blocos.

No fim do volume, Nelsinho conta a história de cada escola, os enredos e classificaçao nos desfiles desde a fundaçao indica as principais personalidades. Faz uma relaçao, com detalhes, das entidades que nao existem mais, fornece biografia dos principais compositores e encerra o que considera um "primeiro passo", um guia, para orientar quem queira, em algum momento - quem sabe ele mesmo, mais tarde - escrever a história definitiva do carnaval paulistano.




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